15.11.07

Ser solidário



Um diálogo. Um aceno. Um afago.
Um rio a sobrar-nos nos olhos,
quando a pátria conflui
a sul de todo o desalento
e nenhum silêncio é legítimo
para calar os medos;
quando os dias se tornam
intrusos da vida, e nada é gratuito,
a não ser a espera, nas mãos
entreabertas à revolta;
quando resistir é atravessar a desértica
secura da memória, com pássaros
de sede doendo na boca.
Não ceder. Não ceder por dentro do sonho.
Não ancorar o rosto no lugar-comum dos preconceitos.
Viver sem rendições, é o desafio
que nos cabe por inteiro.
Sabemos isso, solidários que somos

neste contrabando de afectos e coragem.

Graça Pires
De Ortografia do olhar, 1996

12 comentários:

  1. gostei muito de um rio a sobrar-nos nos olhos.

    um abracinho,graça.

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  2. "Viver sem rendições, é o desafio
    que nos cabe por inteiro"...

    guardo estes versos do teu belíssimo poema. como legenda. e programa de vida.

    excelente.

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  3. Pois conta comigo nesse desafio de viver sem rendições, embora custe bem caro.
    Quero mais poemas.
    Fica bem.

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  4. Só que o contrabando deve andar a diminuir muito.

    Desculpa o desabafo perante a beleza do poema e das suas imagens.

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  5. um poema interventivo, uma mensagem forte, com momentos de grande beleza:

    «resistir é atravessar a desértica
    secura da memória, com pássaros
    de sede doendo na boca.»

    «Não ceder por dentro do sonho.»

    isto é muito importante e muito bonito, Graça!

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  6. "Sabemos isso, solidários que somos
    neste contrabando de afectos e coragem", fabulosa esta imagem, Graça. Gosto de tudo, mas o final do poema acaba (também) comigo.

    Tenho uma pintura da Júlia Calçada muito parecida com a imagem que tens para este poema. Vou publicá-la no meu blogue um dia destes.
    Beijos, até lá.

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  7. Vim deixar-te voto de bom domingo.
    Abraço.

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  8. É isso mesmo: não ceder por dentro de um sonho.
    E é tudo. Muito!

    abraço.

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  9. Fazes-me pensar num mundo onde ser solidário é cada mais urgente. Contra o ser solitário e - acima de tudo - contra os falsos «seres solitários», habilidosamente unidos e organizados nos corredores da política e da alta finança.

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  10. Um abraço, também, Aida e obrigada.

    Herético acho lindo que faças deste desafio um programa de vida.

    São não importa o que custa, as o que conseguimos ganhar...

    Helena, não deixes diminuir a tua coragem e o teu afecto.

    Maria M. obrigada por estas tuas palavras: "um poema interventivo, uma mensagem forte, com momentos de grande beleza".

    Maria Carvalhosa, obrigada pelas tuas palavras. Fico à espera da pintura da Júlia Calçada.

    Tinta Permanente é isso mesmo mesmo: não ceder por dentro de um sonho.

    João Carlos que bom teres vindo. Também são momentos como este que transformam o acto solitário de fazer o poema no acto solidário de partilhar a poesia. Um beijo.

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  11. Os poetas que não se rendem são seres profundamente perigosos...
    O poder sabe disso.

    Forte e belo poema.

    Beijo.

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  12. "Viver sem rendições...".Subscrevo.

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