29.7.10

Calaram-se os pássaros

Ana Pires

Calaram-se os pássaros.
Regressou enferma
a ave que rasgou a sombra
das árvores em pleno verão
sem encontrar o caminho para a chuva.


Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

21.7.10

Em seara alheia



Excessos

A partir de hoje vou usar todas as palavras.
Não vou corrigir as sublinhadas a vermelho.
Muito menos escrever a palavra certa dez vezes
ou aceitar castigos. Não vou evitar
as que se conseguem escrever nas entrelinhas,
ainda que tenha que as tornar visíveis.
Vou desbocar a boca na vulgarização do verbo.
Desembargar a voz, libertar do cárcere
o meu malvado espírito,
desvendar mistérios de cabelo farto.

A partir de hoje vou elevar o tom da minha voz.
Proteger-me da resposta.
Afirmar as rebeldes vontades.

A partir de hoje despi-me de roupas escuras.
Cortei o cabelo e pintei-o de preto.
Farei o luto na cabeça, para o aliviar na razão.

A partir de hoje, não darei qualquer espaço ao coração.


Luísa Azevedo
In: PIN - Uma explicação de ternura. Porto: Edita-me, 2009

12.7.10

Pela noite


Pedro Pires

Pela noite, as sardinheiras aprisionam a luz,
para enganar a morte dos desejos.
É por isso que o olhar matinal dos pássaros,
em pleno voo, nos pode enlouquecer.
Pensamos então: um pranto que desagua
nas dunas, não absolve o remorso
dos barcos seduzidos pelo vento.


Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005