25.9.15

Mentira

Magritte

Não te detenhas em dissimulados jogos. 
A ruína do olhar enfurece o vento e envenena 
a terra onde os homens semeiam o pão. 
As foices podem cortar-te os dedos. 
Imponderáveis são as palavras 
que se desfiam em línguas afiadas.

Graça Pires
De Caderno de significados, 2013

18.9.15

Rio


Digo rio com a inevitável respiração de nascer. 
Digo mondego pela curva das águas 
em deslize para o mar, no chão da casa 
onde bradei a vez primeira o grito da vida. 
Digo rio. Tão leves os meus dedos sobre a boca!

Graça Pires
De Caderno de significados, 2013

10.9.15

A margem de erro presa à eternidade

Agnieszka Motyka

Antes que as andorinhas em debandada 
levem pelo ar o cheiro maduro da fruta, 
os homens entoam a colheita do pão
enquanto as mulheres sangram devagar
os segredos do corpo na fissura do ventre.
O calor despenhado sobre os taludes 
vai secando as ervas onde se ocultam
as centopeias e as aranhas que as crianças
perseguem com galhos impiedosos.
No vínculo indelével do futuro ignoramos,
contudo, a validade do tempo que se esquiva
da morte atravessando a boca dos dias
com a margem de erro presa à eternidade.

Graça Pires
In: Clepsydra: antologia poética. Coord. Gisela Gracias Ramos Rosa. Lisboa: Coisas de Ler, 2014

3.9.15

Poderão perdoar a nossa ausência?



Vêm de todos os lugares, por caminhos
que fervem sangue e luto.
Aos milhares, saem dos túneis da noite e do medo.
Não trazem bandeiras.
Um ardil cavado na lonjura enjeita-lhes a idade.
E chegam extenuados, traídos, indefesos.
Procuram um chão e um abraço.
As sombras coladas aos muros
são a morada da esperança que lhes resta.
Poderão perdoar a nossa ausência?

Graça Pires, 2015