24.4.07

As minhas mãos se dão



Aqui, onde o coração reclama uma pátria melhor,
volto ao lugar das palavras que nunca calei,
por saber que o silêncio se articula na errância
da voz e que nele cabe a solidária multidão
que ama, por inteiro, a liberdade.
A boca sabe-me, inesperadamente, a sangue,
em nome daqueles que desistiram do sonho,
sem remorsos, à margem da esperança.
Tardei a encontrar o exótico perfume,
com que alucinei os dias e as noites,
onde, de um trago só, bebi a própria sede,
guardada no barro da memória.
Agora, sou dos que medem o desassossego
dos lábios, pelo silente sobrevoar dos pássaros,
rente à coragem ou às lágrimas.
As minhas mãos se dão, com a inquieta força
de quem vive ancorado ao fascínio de ter no olhar
um horizonte tão livre, tão límpido,
como a luz transfigurada das manhãs.


Graça Pires
De Reino da lua, 2002

6 comentários:

  1. Na calma da manhã, ouvindo os pássaros cantar, lá fora no arvoredo, enquanto no forno familiar, crepita o alimento do corpo, eu alimento a minha alma... aqui, com as suas palavras.

    Obrigada pela partilha.

    ResponderEliminar
  2. Obrigada também pela partilha da quietude da sua manhã e pelas palavras bonitas que aqui me deixa.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  3. Mais um lindíssimo poema, a tocar bem cá dentro, nas memórias do passado, na perplexidade (por vezes dolorosa)do presente,na inquietação do futuro...
    Contudo, enquanto houver "horizonte"...
    Obrigada

    ResponderEliminar
  4. Maria, obrigada. O "horizonte" existe e as nossas mãos se dão porque amamos, por inteiro, a liberdade. Um abraço.

    ResponderEliminar
  5. E porque "o sonho (ainda) comanda a vida", faremos sempre um novo Abril, com cheiro de alecrim!
    Um beijo

    ResponderEliminar
  6. É isso mesmo, O'sangi. Sempre um sonho nos arrasta... Obrigada. Um abraço.

    ResponderEliminar