2.6.07

Conjugar afectos

Menez
Regresso ao modo e ao tempo
de conjugar afectos por instinto.
Distorço a forma, do lado controverso dos fonemas
e não me excluo das palavras mais ousadas,
ou inesperadamente sóbrias,
denunciando vertigens e sossegos.

Nos meus olhos prevalece a morfologia íntima
dos nomes que revestem a garganta dos amantes
quando desatam o silêncio no contorno das bocas.
No meu peito cresce um poema desmedido, peregrino,
que pode ser um rosto, ou uma fonte,
ou, apenas, um barco que se afasta.
Sublinho, então, deliberadamente, as sílabas
do meu nome em tudo quanto leio.
Um vazio de jade molda, em mim, um útero
que se auto-destrói, como uma dádiva
a ignoradas divindades.
Estou a oriente do porvir
e tenho, amarrada aos pulsos,
a disponibilidade dos pontos cardeais.


Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

9 comentários:

  1. Uma conjugação íntima e muito bela! Beijos.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Poeta, sim Poeta por inteiro

    todos os versos seus são para mim poesia

    há anos que a leio, há anos que os seus livros de poesia estão ao meu lado, dar-lhe os parabéns pelo seu último livro é tão pouco, não há palavras que possam descrever o mundo das sensações que o mesmo envolve

    "não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos"

    nos meus olhos bailam as palavras carregadas de melodia

    li o poema aqui partilhado e lembrei-me de outro regresso seu, um regresso que não me canso de ler, um regresso às palavras, ao seu bailar que me envolve docemente...

    permita-me que o deixe com um respeito enorme que sinto por si :

    REGRESSO

    Sem mais nem menos
    surgiu o passado,
    corpo intranquilo
    feito de sons semelhantes
    aos rostos que amei,
    universo donde me excluí,
    mar desprovido de cais
    na obliquidade dos contrastes.

    Esta noite voltei à minha infância:
    menina rosada de sonhos nos bolsos,
    bailarina de corda na caixinha de som.

    À infância regressa-se solitariamente,
    subindo um rio sem margens,
    até ao lugar em que a nascente
    se confunde com o tempo
    e o tempo se transforma em espanto.

    Procuro, teimosamente,
    o rasto da brisa
    que me invade o corpo
    e apenas sei que o sonho
    é um risco inquietante,
    quando a solidão tem rosto
    e se conhece a posição das estrelas
    no âmago das palavras.

    Reinicio a infância
    no esboço do poema
    e circunscrevo o litoral
    fragmentado do que sou.

    Quem foi que descodificou
    o céu no meu olhar
    e me deixou na alma
    um deus imaginado?

    Quando o espaço do sonho é circular
    como o tempo das cerejas,
    ou da migração dos pássaros
    que fendem o infinito,
    inadiado é o rito da poesia.

    Se eu fosse uma gaivota, dançaria
    na proa dos veleiros
    até à hipnose
    de abraçar a maresia.

    Graça Pires

    gostava de saber bailar como uma gaivota...

    um terno beijo Poeta que tanto admiro, aqui leio-a também, em silêncio, mas leio-a, a sua poesia sabe tocar

    lena

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  4. Belissimo momento poético!
    Com a naturalidade com que no teu peito cresce um poema perigrino!


    Bjos

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  5. Obrigada Paula e um beijo.

    Bem, Lena, que surpresa ter uma admiradora assim e há tanto tempo. Como? Fiquei curiosa pois a minha poesia chega a pouco lado. O poema que transcreve é do meu 1º livro..
    Espreitei a "Cabana de palavras" e vejo que a poesia é a sua linguagem.Vou ficar atenta e visitar o seu espaço com assiduidade. Obrigada pelo carinho e um beijo.

    A.S., Obrigada e um beijo.

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  6. Poeta posso explicar como

    o seu primeiro livro de poesia Poemas está datado de 1990, foi premiado, nessa altura já eu passeava pelas palavras e "corria" com o meu pai em busca de livros de poesia.
    não sou de Aveiro, mas já vivo em Aveiro há muitos anos

    o meu pai adorava Pessoa e todos os seus heterónimos, eu dei Pessoa na escola e chegava-me. (tudo se começou a passar por volta de 1988/89)

    encontrei-a por acaso, penso que em 1992 ou 93, depois foi só seguir os trilhos, encontrar poesia por pesquisa, lendo o que chegava às mãos do meu pai, pois ele sim, tinha correspondência e uma forte ligação com tudo o fosse editado


    eu frequentava o irc, mais ou menos em de 1996. existia e existe um canal que divulga poesia, foi o meu primeiro contacto com os seus poemas,fora de mim, já muitos a liam.
    depois a pesquisa foi fácil, daí ir adquirindo o que escreve e ficar ligada às suas palavras.

    em cima disse que Pessoa dei na escola e que me bastava, mas não disse que foi passado alguns anos depois de sair da escola e do instituto, que passei a adorar Pessoa, pelas mãos do meu pai.

    cresci dentro da poesia, como costumo dizer

    escrever não sei, sei brincar com palavras, dão-me um gosto especial

    um abraço e obrigada por ter ido à minha cabana meio abandonada

    lena

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  7. Parabéns pelas palavras tão luminosas...

    bem acompanhadas por imagens lindas...

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  8. lindíssimo !

    (hoje sinto mais um barco que se afasta :( )

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  9. Teresa e Luis, obrigada pela visita e pelas palavras. Um beijo

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