Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor, que te procuram.
Herberto HelderIn: Ou o poema contínuo. Lisboa, Assírio & Alvim, 2004
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor, que te procuram.
Herberto HelderIn: Ou o poema contínuo. Lisboa, Assírio & Alvim, 2004
Sublime!! Herberto Helder que eu adoro...incondicionalmente!! Muitos beijos para ti, Graça.
ResponderEliminaradoro este poema!
ResponderEliminarSempre ele, amiga; um escultor de palavras!
ResponderEliminarMas que força poética existe maior do que « ...dentro de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor...que te procuram?!!!»
ResponderEliminarObrigado por este duche de águas de ouro e bom fim de semana.
Um abraço.
Eduardo
o GRANDE.
ResponderEliminarpara mim.
especial. de sempre.
para sempre.
grata Graça.
pelo muito.
Prometo que vou manter oculta a minha perspectiva actual sobre poesia.
ResponderEliminarEnfim, já vivi na cidade tempo suficiente para esquecer o campo e as pessoas, agora preciso descobrir a verdadeira forma de comunicar com o mundo.
Posso convidá-lo(a) a visitar um novo espaço?
Como a mudança é uma constante da vida, tal como o sonho, Vendo Lisboa ainda terá pouco para ver, mas anseia pela motivação decorrente da sua visita.
Obrigado
eu sei o que te dizer, Graça.
ResponderEliminaro Herberto continua a brilhar Primavera da poesia e tu és uma flor do jardim dos poetas...
Oi, querida! Fiz lá as modificações aconselhadas. Obrigada por tudo.
ResponderEliminarHerberto Helder escreve maravilhosamente.
Escolheste belíssimo poema.
Bj. enorme.
Bárbara Carvalho.
Ima beleza imensa, esta forma que Herberto Helder tem de sizer as coisas.
ResponderEliminarObrigada pela partilha.
Beijo
Maria Mamede
Um poema intenso, que vou voltar a ler, para melhor saborear as palavras nele contidas!
ResponderEliminarBem-haja.
Um beijo.
"não sei dizer", "não sei dizer-te sem milagres", repete o poeta. Intensidades próximas do indizível, ou que têm de se expressar assim, somando imagens fantásticas, brilhantes, íntimas, surpreendentes, impossíveis de serem reduzidas a uma paráfrase. É um poema lindíssimo.
ResponderEliminarHErberto Helder, único e inimtavél...
ResponderEliminarbeij
Palavras que vão directas ao coração...
ResponderEliminarMuito, muito lindo este poema de Herberto Helder.
Beijo.
HH não é um dos poetas de minha eleição
ResponderEliminarAmoroso, amoroso é o post que acabei de fazer.
ResponderEliminarMuitos cumprimentos.
Para ler com a alma ajoelhada.
ResponderEliminarObrigada.
Beijo.
Olá, Graça
ResponderEliminarEstou a tentar voltar à vida. Talvez a poesia ajude, não sei.
Este primeiro passo, depois de uma longa e dolorosa ausência, já é - pode ser - um bom sinal.
bjs
Excelente escolha O Helder merece:)
ResponderEliminarGostei de o reler aqui ****
Lindo, Graça, quanta poesia em tão pouca prosa. Poesia suficiente para transbordar o meu coração.
ResponderEliminarTu consegues transformar 'Em seara alheia' em um momento de raro prazer.
Beijo grande.
Herberto Helder é o maior dos poetas vivos a escrever em português, na minha opinião.
ResponderEliminar"Ou o poema contínuo" tenho procurado e procurado e procurado e não encontro em lugar algum. Graça, por acaso sabe de algum cantinho que possa ter esta reliquia que tanto gostaria de ter?
beijos