Seleccionar o ângulo de um rosto, sem lhe macular a luz, como se, a meia voz, pudéssemos reter os múltiplos reflexos do júbilo e das mágoas.
21.7.10
Em seara alheia
Excessos
A partir de hoje vou usar todas as palavras.
Não vou corrigir as sublinhadas a vermelho.
Muito menos escrever a palavra certa dez vezes
ou aceitar castigos. Não vou evitar
ou aceitar castigos. Não vou evitar
as que se conseguem escrever nas entrelinhas,
ainda que tenha que as tornar visíveis.
Vou desbocar a boca na vulgarização do verbo.
Vou desbocar a boca na vulgarização do verbo.
Desembargar a voz, libertar do cárcere
o meu malvado espírito,
desvendar mistérios de cabelo farto.
A partir de hoje vou elevar o tom da minha voz.
A partir de hoje vou elevar o tom da minha voz.
Proteger-me da resposta.
Afirmar as rebeldes vontades.
A partir de hoje despi-me de roupas escuras.
Afirmar as rebeldes vontades.
A partir de hoje despi-me de roupas escuras.
Cortei o cabelo e pintei-o de preto.
Farei o luto na cabeça, para o aliviar na razão.
A partir de hoje, não darei qualquer espaço ao coração.
Luísa Azevedo
A partir de hoje, não darei qualquer espaço ao coração.
Luísa Azevedo
In: PIN - Uma explicação de ternura. Porto: Edita-me, 2009
12.7.10
Pela noite
Pedro Pires
Pela noite, as sardinheiras aprisionam a luz,
para enganar a morte dos desejos.
É por isso que o olhar matinal dos pássaros,
em pleno voo, nos pode enlouquecer.
Pensamos então: um pranto que desagua
nas dunas, não absolve o remorso
dos barcos seduzidos pelo vento.
Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005
para enganar a morte dos desejos.
É por isso que o olhar matinal dos pássaros,
em pleno voo, nos pode enlouquecer.
Pensamos então: um pranto que desagua
nas dunas, não absolve o remorso
dos barcos seduzidos pelo vento.
Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005