Robert Doisneau
Do tempo. Desse tempo
em que as cidades
tinham casas com
degraus exteriores
onde a luz e a treva
adormeciam sem medos.
Desse tempo em que no
campo eram benzidas
as oliveiras para que
os relâmpagos
não atingissem o lagar,
nem o pão acabado de
cozer,
nem o vinho novo, nem o
regaço das mães.
Desse tempo em que as
portas e as cancelas
dos pátios estavam
permanentemente abertas
aos passos de quem
vinha.
Desse tempo em que as
cores dos berlindes
brilhavam nos olhos das
crianças
que, de rua em rua,
escolhiam os amigos
para a troca, para a
briga, para a bola.
Desse tempo em que as
mulheres
levavam na cabeça os
cântaros, ou a fruta,
ou os desejos
inconfessados do prazer.
Desse tempo tão
diferente, até no modo neutro
como olhamos a vida,
espalhamos pela casa
os rostos e os nomes.
Desse tempo.
Graça Pires
In: CONTINUUM: Antologia poética. Pinturas de Luís Liberato e fotografias de Soledade Centeno. Braga: Poética, 2018, p. 119