21.4.07

Insisto num rosto efémero

Modigliani


Do outro lado do disfarce,
insisto num rosto efémero.
A que punhal ou perigo me insinuo?
Sou o encontro adiado,
neste prenúncio de muros
ou de mãos indomáveis.
Quero, no reverso da névoa,
onde não dancei os sonhos,
um teatro de papel.
Diante da muralha da noite
ensaio as sombras sob as pálpebras
e altero o nome das cantigas
que me circulam no sangue, em sobressalto.

Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

2 comentários:

  1. Sim, foi por mim que gritei.
    Declamei,
    Atirei frases em volta.
    Cego de angústia e de revolta.

    Foi em meu nome que fiz,
    A carvão, a sangue, a giz,
    Sátiras e epigramas nas paredes
    Que não vi serem necessárias e vós vedes.

    Foi quando compreendi
    Que nada me dariam do infinito que pedi,
    -Que ergui mais alto o meu grito
    E pedi mais infinito!

    Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
    Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
    Que, sem rumo,
    Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

    O que buscava
    Era, como qualquer, ter o que desejava.
    Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
    Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

    Que só por me ser vedado
    Sair deste meu ser formal e condenado,
    Erigi contra os céus o meu imenso Engano
    De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

    Senhor meu Deus em que não creio!
    Nu a teus pés, abro o meu seio
    Procurei fugir de mim,
    Mas sei que sou meu exclusivo fim.

    Sofro, assim, pelo que sou,
    Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
    Sofro por não poder fugir.
    Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

    Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
    (Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
    Senhor dá-me o poder de estar calado,
    Quieto, maniatado, iluminado.

    Se os gestos e as palavras que sonhei,
    Nunca os usei nem usarei,
    Se nada do que levo a efeito vale,
    Que eu me não mova! que eu não fale!

    Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
    Era por um de nós. E assim,
    Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
    Lutava um homem pela humanidade.

    Mas o meu sonho megalómano é maior
    Do que a própria imensa dor
    De compreender como é egoísta
    A minha máxima conquista...

    Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
    Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
    E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
    E sobre mim de novo descerá...

    Sim, descerá da tua mão compadecida,
    Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
    E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
    Saciarão a minha fome.

    José Régio in Poema do silêncio

    que aqui deixo com um grande abraço

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  2. Obrigada Menina. Adoro José Régio.
    Um beijo

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