5.6.07

Uma ilha escondida na memória

Ansel Adams

Rodeada de mar, convoco o límpido diálogo
dos abismos, para gritar, com Ulisses,
o desejo de ser livre e mortal.
Havia , assim o dizem, uma tempestade em sua boca.
As sereias tomavam-lhe o pulso dos sentidos,
como sulcos de aves no contorno da luz.
A música das marés enfurecia seu sexo.
Contra os rochedos, morriam as gaivotas
enlouquecidas de prazer.
Mas, os deuses fixaram-se no litoral da eternidade,
para lhe indicarem o caminho da morte,
porque ele era, apenas, um homem,
com uma ilha escondida na memória.


Graça Pires
De Uma certa forma de errância, 2003

9 comentários:

  1. Uma bela revisitação do mito de Ulisses, uma brava afirmação da grandeza humana perante os deuses: quem quer a eternidade, se tem uma ilha escondida na memória e o sonho de um dia lá chegar?
    E que saberão os Imortais do esplendor humano, esse esplendor que o poema canta nos versos centrais, em imagens de luz, de vagas, de aves, de prazer, de um corpo que é tanto e é tudo, sendo breve.
    E este poema, Graça, também gostei muito dele! De que livro é?

    Um beijo, boa noite

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  2. Poeta

    um grito, num desejo, um caminho, uma ilha. a tempestade, Ulisses, a ninfa e o véu na memória

    é um prazer ler a sua poesia.
    brota dentro de um sonho, um mito onde os versos cantam

    gostei muito do poema

    um abraço meu

    lena

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  3. mas os deuses ao indicarem-lhe o caminho da morte (e espero, sim, que grite como Ulisses e encontre a ilha, apesar de por vezes ninguém sabe dizer o que ela tem) imortalizaram-no.

    Tal como todos os que procuram o são. O grito fica gravado em todas as vozes que o ouvem.

    gostei bastante

    boa noite

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  4. Fabulosa, esta narração em forma poética da tragédia Olissipiana.

    Um beijo.

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  5. Excelente!
    Umn abraço
    L.
    (Laura)

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  6. No diálogo dos abismos, o desejo de ser livre e mortal, é onde reside a divindade!

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  7. Soledade, a mitologia é uma enorme fonte de inspiração, porque os mitos contêm aquilo que nos salva e aquilo que nos perde, as nossas grandezas e as nossas misérias. O mito de Ulisses e Penélope não foge a isso. "Uma certa forma de errância" é o livro onde me tornei, ao mesmo tempo, personagem e espectadora desse mito. Porque, tenho, como toda a gente, uma ilha adiada no peito. Obrigada pelo seu comentário. Um beijo.

    Minha amiga Lena, prazer é ter a sua visita neste meu espaço e ler as suas palavras. Um beijo.

    Teresa, sim, faço questão de gritar o meu desejo de ser livre e mortal. Obrigada e um beijo.

    Vitor, Mafalda,Laura, Paula e A.S., obrigada pela vossa visita e por gostarem do poema. Um abraço para todos.

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