27.10.25

Em seara alheia

                             


O SONHO ADORMECE LENTAMENTE


O dia esgota-se. O sonho adormece lentamente.
Enquanto os sentidos farejam a exaltação do dia,
há um ranger contínuo que ecoa dentro de mim
como um sussurro cósmico que abafa todos os silêncios.
Neste farejar de sentidos me perco na complexidade das coisas banais.
Entrego-me ao vago e indefinível e deixo que os meus lábios
respirem o húmus da madrugada. Parece que deixei de encontrar beleza
nas neblinas matinais, nos nocturnos e húmidos afagos,
nessas coisas sublimes que não têm peso nem cheiro.
No respirar íntimo e latejante da noite um sonho estremece bruscamente
o sossego nocturno e um suspiro se evade de mim, 
lento como uma gota de água que escorre agonizante na vidraça. 
Talvez uma boca ou uma língua ávida venha sorvê-la, abrir-lhe a névoa, 
sentir o seu sabor e saciar a sede que lhe arde nos lábios.

Albino Santos
In: A complexidade das coisas banais. Viseu: Seda Publicações, 2025, p. 13

32 comentários:

  1. O dia adormeçe, o sonho chega e na noite quanta poesia pode acontecer... Lindo!
    beijos praianos, chiuca

    ResponderEliminar
  2. Graça, que maravilha de partilha…
    As palavras de Albino Santos tocam como um murmúrio antigo,
    onde o silêncio ganha corpo e a noite respira.
    Há uma delicadeza rara neste adormecer do sonho,
    um encanto que se perde e se reencontra em cada imagem.
    O texto é uma travessia entre o real e o etéreo,
    onde até a gota que escorre tem alma e destino.
    Lindo demais, um suspiro em forma de poesia.

    Abraços fraternos e uma semana abençoada !
    do amigo, Daniel
    https://gagopoetico.blogspot.com/2025/10/o-louco.html

    ResponderEliminar
  3. Olá. Graça.

    Belo poema desse autor que desconheço.
    Esse ranger contínuo dentro de nós é de fato um sussurro cósmico!
    Esse entregar-se ao silêncio da madrugada onde o sonho nos embala.

    ResponderEliminar
  4. Tudo pode acontecer...delicadamente como a noite...
    Beijos e abraços
    Marta

    ResponderEliminar
  5. Belíssimo poema do Albino Santos.
    Onde manifesta de uma forma brilhante, o ranger dos sonhos no âmago de nós.
    Excelente partilha, amiga Graça.
    Gostei bastante.

    Beijinhos e boa semana, com tudo de bom.

    Mário Margaride

    ResponderEliminar
  6. Um texto de rara densidade sensorial, onde a melancolia e a contemplação se entrelaçam com notável subtileza.
    O Autor transforma o quotidiano em matéria poética, conduzindo-nos por um crepúsculo de emoções que se dissolvem entre o sonho e a consciência.
    Um boa escolha de um trabalho poético de Albino Santos.
    Boa semana Amiga Graça com saúde e paz.
    Deixo um beijo.
    :)

    ResponderEliminar
  7. Que texto maravilhoso você postou Graça!
    Albino escreve com sentimento.
    Há nele uma musicalidade rara o tempo desacelera, o sonho respira, e cada imagem parece suspensa entre o real e o etéreo.
    A linguagem é densa, mas suave; é como se o poema se movesse no limite entre o corpo e a alma. Esse “sussurro cósmico” que abafa os silêncios é uma das imagens mais belas traduz perfeitamente o instante em que o sonho e a vigília se confundem.
    Um texto que não se lê apenas: se sente devagar, como o próprio sonho.

    Amo os textos dele.
    Boa partilha minha amiga!
    Beijinho
    Fernanda

    ResponderEliminar
  8. La prosa siempre poética de Albino es tan impecable como inspiradora, amiga Graça. Vocé hace bien en amplificarla.
    Abrazo admirado una vez más!! También para el amigo Albino.

    ResponderEliminar
  9. O poema faz uma inflexão bastante interessante. Se se inicia de forma transcendental e etérea:

    " O sonho adormece lentamente.
    Enquanto os sentidos farejam a exaltação do dia,
    há um ranger contínuo que ecoa dentro de mim
    como um sussurro cósmico que abafa todos os silêncios";

    opta no final por uma dimensão imanente, quase corpo adentro, sanguíneo, fazendo lembrar Herberto Hélder e as suas metáforas carnais:

    "Talvez uma boca ou uma língua ávida venha sorvê-la, abrir-lhe a névoa,
    sentir o seu sabor e saciar a sede que lhe arde nos lábios."

    ResponderEliminar
  10. Um belíssimo escrito! Parabéns para o autor A. S. que assim escreve maravilhosamente!
    Grata por nos mostrar.

    Beijinhos e boa semana!

    ResponderEliminar
  11. O título do livro é bastante apelativo: A complexidade das coisas banais. Não sei se entendi o poema, as coisas que o poeta afirma sublimes são tão banais quanto as outras (a banalidade, tal como a sua ausência, mora em nós, não é?) As neblinas matinais têm cheiro, por exemplo. Mas talvez ele queira dizer que é sublime o que é da natureza e está fora do domínio humano, o que não pode fechar-se num armário nem cabe numa casa. E cinge-se ao que está ao alcance dos sentidos, as coisas pequenas e breves, perecíveis.
    Boa noite, Graça

    ResponderEliminar
  12. Um poeta que não conhecia. Gostei da amostra.
    Boa semana.
    Um abraço.

    ResponderEliminar
  13. Ah, como eu queria ser
    essa boca, essa língua ávida
    e, por isso, te digo
    essa seara que dizes ser de outro
    é bem nossa

    Beijo de fã

    ResponderEliminar
  14. Coisas banais que, apesar de assim serem, às vezes roubam a nossa paz.
    Uma bela semana, amiga.

    ResponderEliminar
  15. Profunda reflexión. Te mando un beso.

    ResponderEliminar
  16. Que lindo! Sensível e e forte! Parabéns!

    ResponderEliminar
  17. Olá. Graça.

    Belo e inspirado poema. Albino é ótimo com as palavras.
    Esse sussurro cósmico que se entrelaça na vigília é fantástico!
    Grande postagem, te agradeço.
    Bjss, Marli

    ResponderEliminar
  18. Um poema em que a inquietação e a insatisfação estão presentes.
    Gostei bastante.
    Abraço de amizade.
    Juvenal Nunes

    ResponderEliminar
  19. Querida Graça
    Inspirador este texto de Albino Santos.
    As palavras quase que ganham vida e vêm
    saudar-nos e dar-nos a provar o elixir da vida.
    Com ele as coisas banais não são banais.
    Carregam em si o reclame da luz do quotidiano.
    Gostei muito, amiga.
    Beijinhos
    Olinda

    ResponderEliminar
  20. Gostei de conhecer.

    Minha Amiga, bom resto de Outubro e carinhoso abraço para ti.

    ResponderEliminar
  21. Boa tarde Graça,
    Que admirável poema, em que o Poeta expressa todo o seu sentir de uma forma, que me levou a admirar toda a poesia colada a todas as palavras do poema.
    Belo! Belo! Muit belo!
    Grata pela partilha, minha Amiga e Enorme Poeta.
    Beijinhos e continuação de uma semana com muita saúde.
    Emília

    ResponderEliminar
  22. Olá minha querida amiga Graça. Muitos autores são desconhecidos no Brasil. Obrigado por dividir ou nos trazer um pouco mais de poesia e em tempos tão difíceis.

    ResponderEliminar
  23. Olá, amiga Graça, gostei muito deste texto, não conheço o autor, mas agradeço pela partilha.
    Votos de uma ótima semana, com muita paz e luz.
    Beijo, minha amiga.

    ResponderEliminar
  24. Eis o Albino Santos com todo o esplendor da sua poética sempre resplandecente cuja arquitetura culmina na sedução amorosa onde a paixão se mistura com uma ternura incomparável do ser amado.
    Boa colheita , querida Graça.
    Parabéns Albino .
    Beijinho aos dois

    ResponderEliminar
  25. Olá doce Graça
    Que bom encontrar aqui a beleza das palavras do A.S.
    Gosto muito do jeito dele, a forma como trata as palavras com delicadeza, sensualidade e paixão.
    Uma excelente partilha.
    Abraço e brisas doces ****

    ResponderEliminar
  26. Um sopro de vida na seara alheia. Este sopro é como nos dissesse que a beleza está nas coisas banais que muitas vezes não lhes damos atenção. Albino sabe o que faz com as palavras, o chão nunca se evapora sob os nossos pés quando estamos dos poemas.
    Bela partilha!
    Um beijo, minha amiga Graça!

    ResponderEliminar
  27. Olá Graça
    No crepúsculo da alma, onde o dia se esvai e o sonho adormece, o eu se perde na banalidade dos sentidos, ansiando por um toque que desfaça a névoa e sacie a sede de um anseio profundo e indefinível."

    É muito forte a imagem do "ranger contínuo" que ecoa dentro de si, como um "sussurro cósmico" que abafa os silêncios. Isso me faz pensar em inquietações internas, em pensamentos que não se calam, mesmo quando tudo ao redor parece calmo. A perda da beleza nas coisas antes sublimes, como as neblinas matinais, também revela um estado de espírito mais sombrio, onde a percepção da beleza se turva.

    E essa gota de água que escorre agonizante na vidraça, com a esperança de ser sorvida por uma boca ávida... é uma metáfora poderosa para o desejo de conexão, de ser compreendido, de ter essa inquietude dissolvida por um outro. É uma busca por um sentido, por um sabor, por uma saciedade que parece distante. O poema capta de forma muito sensível essa dualidade entre o vazio aparente e a ânsia latente.

    Beijinhos minha amiga

    ResponderEliminar
  28. Bom dia, Graça
    Poema reflexivo, não conhecia o autor, desejo um excelente final de semana, bjs querida.

    ResponderEliminar
  29. Boa tarde, amiga Graça.
    Passando por aqui, para desejar um feliz fim de semana.
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

    ResponderEliminar
  30. Quanta poesia nos abraça ao cair da noite!
    Gosto muito de Albino Santos!
    Um abracinho querida amiga Graça e grata por ter partilhado algo tão belo de ler!
    💝👄💝Megy Maia

    ResponderEliminar
  31. Nostálgico e belo poema.
    Que nunca deixemos de admirar e encontrar beleza, nas coisas simples da vida, como a misteriosa neblina da manhã.
    Excelente partilha.
    Beijos e um bom fim de semana

    ResponderEliminar