4.6.07

Em seara alheia


Antigamente havia sempre aquela música
tu sabes. Era a música feita à beira da seara
o cântico da sede e das ceifeiras. E nosso
era o direito a entrar na casa onde
tínhamos o fresco dos lençóis, o púcaro

de barro de água fresca, o livro de
palavras feitas verso, o gato persa, o ruído
que provoca o silêncio quando excessivo
a um ouvido surdo, uma maçã de
estio cujo sumo escorre sobre o peito

se trincamos a polpa e entre os dentes
se ilumina um sentido, entre os
dedos um frémito súbito se instala.
Porque a brisa nem sempre é um rumor
às vezes é também parte de um

verso. Antigamente havia sempre a
música do sono que chegava sem pressa e
sem vagar, porque tudo acontecia nessa casa.
Lá dentro havia o corpo à sombra espessa.


Nuno de Figueiredo
In Amargas Cores do Tempo. V. N. Famalicão: Quasi, 2006

7 comentários:

  1. Poeta, gostei de ler aqui Nuno de Figueiredo

    sem presa li

    li e senti a música


    um abraço

    lena

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  2. Bem lindo. Não conhecia o poeta. Obrigada pela partilha.
    Um beijo

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  3. Belo poema! Gostei imenso. Beijos.

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  4. Li. gostei. Não conhecia.

    bom dia!

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  5. "Às vezes mal sentimos é uma leve aragem
    um rumor indistinto um arrepio às ve-
    zes entre as árvores onde escondemos os
    passos onde os pássaros reúnem sem aviso
    da próxima largada onde o lume é

    fumo e a chama cinza próxima e
    o calor é frio às vezes é outono e mal
    sentimos uma fresta da porta entreaberta
    a bater de mansinho e o vaso de cíclames
    na soleira adeja como um lenço de véspera

    nos olhos encobrindo às vezes mal pouco
    e mal se distingue um floco de tristeza
    mal suspenso não tem nome nem rasto
    nem destino poisa ali entre os olhos fica
    retido num verso e se buscamos sua

    rima seu labor de palavras só às vezes
    na cómoda se encontra entre as
    cartas a chave mas já nada nos livra
    desses olhares cúmplices nas fotografias."

    (Nuno de Figueiredo in "A Única Estação")


    Que aqui deixo com um grande abraço ;))

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  6. É um prazer passar por aqui e ler esta poesia!...


    Bjs

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  7. Lena, ñão tenho dúvida de que sentiste a música. Um beijo.

    Soledade, Paula, Teresa, obrigada pela vossa visita. Um beijo.

    Menina, obrigada pelo poema. Este não conhecia, pois não tenho este livro.É lindo! Um beijo.

    A.S., o prazer é todo meu. Obrigada pela visita. Um beijo.

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