17.10.07

A fome



Lidar as mais indignadas palavras,
e deixá-las em sangue,
a coberto de qualquer expiação.
A fome é um insulto, longamente
desenhado rente à boca.
O negativo que o peso da história nos legou.
Em nome dela, inventamos, desesperadamente,
uns deuses de estimação, a quem culpamos
dos desacertos do mundo.
E dormimos tranquilos, sem lamentarmos
a nossa própria indiferença.
Os nossos protestos não chegam, sequer,
a ser palavras de ordem para uso caseiro.


Graça Pires
De Ortografia do olhar, 1996

15 comentários:

  1. obrigado pelas suas palavras, sempre simpáticas e atentas.

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  2. É preciso rasgar

    as palavras

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  3. «Lidar as mais indignadas palavras,
    e deixá-las em sangue,
    a coberto de qualquer expiação.»

    muito incisivas estas palavras, o tema exige palavras assim.
    e se grassa a indiferença, há sempre quem não pode ficar indiferente e escreve um poema assim!

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  4. Pois não, Graça...

    eu sei que é pouco, mas pelo menos vão aparecendo palavras, contra esta indiferença, também ela a caminho da globalização...

    Abraço

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  5. "A fome é um insulto, longamente
    desenhado rente à boca."

    Belo!

    Obrigada.

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  6. Bom dia Graça!!!!


    é assim mesmo!



    beijo. com fome de que a fome acabe

    (impossível, sei)


    beijos.

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  7. «Da História encarrega-se o tempo.
    Mas quem se encarrega das pessoas?» - pergunta a Yvette Centeno nas "Irreflexões".
    Parece uma questão banal. Mas não temos resposta, ou então «inventamos, desesperadamente,/uns deuses de estimação, a quem culpamos /dos desacertos do mundo.»
    É tudo tão complicado! E o ser humano, na sua individualidade, é tão vulnerável! Erguemos a voz, mas sentimos a futilidade do nosso protesto no próprio instante em que erguemos a voz. Não havia de ser assim...
    Um beijo
    Soledade

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  8. "Os nossos protestos não chegam, sequer,
    a ser palavras de ordem para uso caseiro. "

    Retenho e sei que aqui tb se concentram todas estas palavras.

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  9. Uma imagem dolorosa. Forte e chocante, é a realidade deste mundo.

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  10. A fame é algo terrorífico. Non se pode consentir.

    Unha aperta.
    :)

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  11. "nossos protestos não chegam, sequer,
    a ser palavras de ordem"...

    mas o teu poema é um libelo. acusatório. malgré lui...

    o poema é uma arma. tantas vezes.

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  12. Obrigada a todas as amigas e a todos os amigos pelas vossas sensíveis palavras e pelo carinho.
    Um beijo

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  13. Quando vejo fotos dessas sinto uma dor intolerável, algo rebenta cá dentro.
    Evoluímos? Somos o animal perfeito?
    Mas temos estas tremendas desigualdades, esta horrível verdade: morre-se de fome neste mundo, sofre-se de muitas maneiras e não evoluímos o suficiente para impedir este estado de coisas. Às vezes perco a fé na humanidade.
    Graça, obrigada pelas suas visitas ao meu blogue e pelos seus gentis comentários.

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  14. Graça: que cena tocante...bem triste...Que poesia linda...que espaço maravilhoso o seu,parabéns diretamente do meu Cotidiano.

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  15. Esta imagem vale por mil palavras... forte, dura e perturbadora...

    Mais perturbador é o que está para além dela... a fome de uns é o alimento de outros... é a fome, nas suas diversas formas (de alimentos, de poder, de amor, de vingança, ...)que alimenta as guerras. É por isso que digo: o Homem é o maior predador de si próprio.

    Gostei deste espaço.

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