Seleccionar o ângulo de um rosto, sem lhe macular a luz, como se, a meia voz, pudéssemos reter os múltiplos reflexos do júbilo e das mágoas.
30.7.08
25.7.08
Memórias de Dulcineia IV

Indecisa, seguro entre as mãos
a carta que um dia recebi:
sem remetente, sem data,
sem perfume.
Com uma haste de fogo
a queimar-me as pálpebras,
eu leio: dia da minha noite,
prazer da minha mágoa,
norte dos meus caminhos,
estrela da minha ventura.
Os meus lábios, lentamente,
tocando as letras, lambendo
o sonho impresso no papel.
Um aroma de jasmim
devassando o ar.
Graça Pires
a carta que um dia recebi:
sem remetente, sem data,
sem perfume.
Com uma haste de fogo
a queimar-me as pálpebras,
eu leio: dia da minha noite,
prazer da minha mágoa,
norte dos meus caminhos,
estrela da minha ventura.
Os meus lábios, lentamente,
tocando as letras, lambendo
o sonho impresso no papel.
Um aroma de jasmim
devassando o ar.
Graça Pires
De Uma extensa mancha de sonhos, 2008
21.7.08
O mais secreto brilho do verão

Acordei assustada: tinha cortado
os pulsos para matar a sede.
Agora que a sede sangra nos meus lábios,
devoro, gota a gota, o hálito da terra,
ou o cheiro dos morangos,
ou, apenas, o sangue das palavras.
E arrasto o dia pelas sombras,
bebendo, devagar, o mais secreto
brilho do verão.
Graça Pires
os pulsos para matar a sede.
Agora que a sede sangra nos meus lábios,
devoro, gota a gota, o hálito da terra,
ou o cheiro dos morangos,
ou, apenas, o sangue das palavras.
E arrasto o dia pelas sombras,
bebendo, devagar, o mais secreto
brilho do verão.
Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005
16.7.08
Memórias de Dulcineia III
12.7.08
Em seara alheia

Nau de sonho
Quase roçando a areia, tão beijada
pelas ondas do mar, serenamente,
à luz avermelhada e fulva do poente,
eu paro... passa a minha nau doirada.
É nau forte a errar no mar fulgente,
coberta de luzes a amurada...
Pelo sopro das ondas embalada
parece o amor no coração da gente.
É nau de sonhos, um sonho enorme em flor,
buscando as horas mágicas de cor
em que o sol morre e sente-se a verdade.
Oh minha nau doirada espera um pouco
levas ao leme um timoneiro louco
e fica meu coração doendo de saudade.
Otília Martel
In: Menina Marota : um desnudar de alma. Lisboa, Papiro, 2008
Quase roçando a areia, tão beijada
pelas ondas do mar, serenamente,
à luz avermelhada e fulva do poente,
eu paro... passa a minha nau doirada.
É nau forte a errar no mar fulgente,
coberta de luzes a amurada...
Pelo sopro das ondas embalada
parece o amor no coração da gente.
É nau de sonhos, um sonho enorme em flor,
buscando as horas mágicas de cor
em que o sol morre e sente-se a verdade.
Oh minha nau doirada espera um pouco
levas ao leme um timoneiro louco
e fica meu coração doendo de saudade.
Otília Martel
In: Menina Marota : um desnudar de alma. Lisboa, Papiro, 2008
7.7.08
Um rio nasce perto dos lábios

Um rio nasce perto dos lábios
de quem improvisa a sede,
ou sabe usar as mãos para colher
as primeiras amoras do verão.
Às vezes, os frutos derretem-se
na boca, queimando a língua de prazer.
É assim que os amantes se redimem
de consentidos silêncios.
Graça Pires
de quem improvisa a sede,
ou sabe usar as mãos para colher
as primeiras amoras do verão.
Às vezes, os frutos derretem-se
na boca, queimando a língua de prazer.
É assim que os amantes se redimem
de consentidos silêncios.
Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005
3.7.08
Retrato improvisado

Por dentro da tua voz, posso adivinhar
a cidade longínqua que te perturba o rosto.
Vieste de todos os lugares onde as emoções
se expõem do lado da desordem,
e chegaste com os pássaros transparentes
que, agora, repousam nos teus olhos:
água ou mágoa, a juntar os pedaços da tua sombra,
a cidade longínqua que te perturba o rosto.
Vieste de todos os lugares onde as emoções
se expõem do lado da desordem,
e chegaste com os pássaros transparentes
que, agora, repousam nos teus olhos:
água ou mágoa, a juntar os pedaços da tua sombra,
repartida por quantos silêncios te cercaram?
Não. Não te ausentes ainda.
Deixa-me reaver todo o júbilo das mãos,
na curva do teu peito, onde vejo uma pátria
cor de trigo, que me aquieta o corpo.
Graça Pires
Não. Não te ausentes ainda.
Deixa-me reaver todo o júbilo das mãos,
na curva do teu peito, onde vejo uma pátria
cor de trigo, que me aquieta o corpo.
Graça Pires
De Ortografia do olhar, 1996