Salvador Dali
Os barcos aproximam-se do quotidiano,
pelos atalhos da luz, no corpo da tarde.
Ao mesmo tempo, de cidade em cidade,
uma inquietante treva incendeia, noite adentro,
o ruído mitológico das maresias de outono.
Um navegante, sem bússola,
enforca-se no cais dos percursos para sul,
como se rastejasse a paisagem dos sonhos,
pelo lado mais escarpado da alma.
Ritual de sangue inadiável.
Rotas afogadas nas pálpebras.
Quilha de silêncio onde ficamos exilados e cúmplices,
reassumindo não sei que espanto,
enconchando o coração para nele caber
o estremecimento intacto de um rio.
A brisa, de feição, justificará o lentíssimo
tumulto dos remos junto à foz.
Graça Pires
De Ortografia do olhar, 1996
2 comentários:
De tã lindo que é, não tenho palavras!!!
Parabéns pelo seu talento.
Sou sua fã
Andresa
Hoje vim voar aqui no comecinho...
Mais um belo poema.
Abraços e lindo dia.
Enviar um comentário