24.2.25

O aceno da sede

 

Katharina-Jung



Resgato o trémulo aceno da sede
com um deserto furtivo na boca.
Roço com deleite os lábios no chão.
Até enraizar a língua na água
de qualquer nascente.
Fenda de um grito
na melancolia dos lábios.
Pranto caudaloso no sangue das mães.


Graça Pires
De Improviso de viver, 2023, p. 23

17.2.25

Lugares sagrados

 

Silena Lambertini

                                                               Para o Samuel Pimenta



Abençoado por rituais que decifram
tudo o que está para além de tudo
ele reconhecia os lugares sagrados.

Na demanda de árvores prenhes de luz
escutava a voz úbere da terra
e o cântico subterrâneo das fontes.

Sobre a humidade da folhagem
vêm agora aves solares
em silenciado voo purificar-lhe os passos
com rasgos de confidência
para que sempre lhe pertença
a simbologia e o culto dos lugares.

Graça Pires
De O improviso de viver, 2023, p.45

10.2.25

Em seara alheia

 




Desenhar um poema

Hoje queria desenhar um poema
com linhas e traços ausentes
e nele ler
esquecimento

Ana T. Freitas
In: A coragem da cor. São Paulo: Editora Conejo, 2024p. 44

3.2.25

À passagem de pássaros rubros

 

Daria Petrilli



Deixo que um brado demente 
me atravesse o coração 
à passagem de pássaros rubros 
na periferia dos meus olhos 
e me rasgue na garganta uma fenda 
que atravesse os lugares calados 
onde se escondem bichos,
ervas bravas e o hálito húmido da terra.
Sem rumor, a mais íntima sombra 
propaga a suspeita 
de uma paisagem longínqua 
de onde me ausentei 
quando a extinção dos amores-perfeitos
contornou a minha solidão.

Graça Pires
De Antígona passou por aqui, 2021, p.64