De repente era eu no
prolongamento de mim.
Tracei o próprio
corpo em transparência de tule.
Na ponta das
sapatilhas pousaram aves inquietas.
Esboçaram a leveza azulada
das sombras,
cindidas em singular
aceno.
Rodopiaram a
claridade dos sonhos
até que rosto algum
pudesse resistir-lhe.
De repente eras tu no
prolongamento de ti.
A roçar o meu chão.
Em impulsos cativos
do espaço.
Em tumultos
circulares até ao infinito.
Em vertigem aflita
por cima do abismo.
A fazer da queda um
tão breve equilíbrio,
que o tempo sobre o
tempo renascia.
Depois fomos nós.
Primeiro a sedução,
indecisa ainda,
no improviso do
desejo.
Um movimento subtil a
enredar-se
na demora de pressentir
o gozo.
E desse tardar,
vencidos nos repartimos na dança,
no tango: o prazer do
jugo presumido no olhar.
O corpo todo, que
cede e se recusa no júbilo do sangue.
Ai, devagar, que os
ardis deste cerco nos tomaram.
Graça Pires
In: A CNB e os Poetas,
2016, p. 27
Poema feito depois de
ter assistido ao reportório de bailados “Serenade”, “Grosse Fuge”, Herman
Schmerman” e “5 tangos”, a convite da direcção da CNB, através de João Costa, Fev. 2016.