10.7.23

Em seara alheia



A carta 

Um homem escreve uma carta a uma mulher 
como se fosse um acto antigo 
O homem escolheu o mais terno papel rosa 
e sobrescrito a condizer _ com cantos violeta 
nele escreveu o nome da mulher 
e o lugar de destino 
O homem carregou de tinta azul a sua estimada 
e bela caneta que estava muda desde 
quando disse a última carta 
Escreveu a data na primeira linha 
o dia registado _ seminal 
com letras maiores escreveu no meio da página 
     Amo-te, tenho saudades 
na última linha, o homem assinou apenas 
com o seu primeiro nome 
O homem guardou a carta no sobrescrito 
que não colou _ beijou-o duas vezes 
e encostou-o à jarra onde tinha as flores 
que amanhã levaria para depositar 
no lugar inscrito a seguir ao nome da mulher 
Depois deitou-se para dormir e sonhar 
como fazia todos os anos. 

Luís Raimundo Rodrigues 
In: No espaço da minha boca. Edições Gato Cinzento, 2023, p. 92

38 comentários:

Jaime Portela disse...

Não me lembro de já ter lido poemas deste autor.
Obrigado pela partilha.
Boa semana, cara amiga Graça.
Um abraço.

Luís Palma Gomes disse...

Bonito, triste, romântico.

Como são simples as coisas belas? Pergunto-me eu, no final de ler este poema.

Escrever uma carta; escrevi tantas e tu, que estás a ler isto, também, não é? Que saudades da caligrafia, do cheiro do papel, de recolher a resposta algumas semanas depois na caixa do correio.

Éramos tão naturais, há trinta anos. Nem sorriamos para as objetivas quando nos fotografavam. Deixávamos a alma transparecer no rosto.

Nas cartas também havia essa transparência, esse artifício da autenticidade: o estilo manuscrito deixava perceber se o remetente estava calmo, desesperado, apaixonado ou simplesmente desinspirado.

Far-vos-ei uma inconfidência, a primeira carta que escrevi para o meu amor, há 35 anos, dizia apenas "Gosto de ti, porra!". Foi esta repreensível lacónica mensagem de amor que lhe enviei como uma bomba. O pai dela ao lê-la — porque esquecida em cima da mesa — murmurou debaixo dos seus fartos bigodes: "Estes jovens de agora..."

Quando se tem 20 anos, se nos perguntarem quem foi Albert Einstein é natural respondermos: "E=MC^2".

Boa semana para todos.

Um beijinho especial para a Graça e felicitações por esta escolha que, sinceramente, me encheu o peito de suspiros e palpitações. Sendo o poema tão triste no final, devemos lembrar-nos que a saudade é, ainda que fugazmente, uma dor bonita.

Rogério G.V. Pereira disse...

Regista o meu protesto
O poeta plagiou-me
Não o poema
Mas essa carta e o gesto

Beijo a tua seara
(ia a escrever jardim)

brancas nuvens negras disse...

Cara Graça,
ser escolhido para figurar no seu blog é uma distinção que agradeço.
Um abraço.

chica disse...

Linda e doce publicação!Adorei a carta! beijos, linda semana! chica

Roselia Bezerra disse...

Olá, querida amiga Graça!
Que gesto tão nobre e doce!
Inacreditável de ainda existir algo assim tão belo. Mas existe e eu conheço um (meu padrinho).
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos

Marta Vinhais disse...

Uma carta de amor eterna...terna, saudosa....eloquente...
Adorei...
Beijos e abraços
Marta

São disse...

Gostei de ler.

Boa semana e abraço para vós.

Lucinalva disse...

Bom dia, Graça
Que linda carta de amor, abraços.

Manuela Barroso disse...

Quantas memórias guardo do meu jardim da casa de meus pais com canteiros geometricamente recortados onde esperava à sucapa o carteiro e quantas saudades me trouxeste com esta partilha tão fora de uso mas tão intimamente terna ! É tão terna que ainda hoje guardo as nossas cartas de amor ! Ridículas ? Um dia vou sentar - me e abrir envelope por envelope e verificar se fui ridícula .
Obrigada, querida Graça por te lembrares da CARTA e parabéns ao poeta .
Um beijinho

Ailime disse...

Boa tarde Graça,
Que poema tao belo, tão cheio de nobres sentimentos em que o amor e a saudade marcam talvez a partida de um grande amor. Comoveu-me.
O Luís Raimundo é também um grande Poeta.
Muito obrigada pela partilha, minha Amiga e Enorme Poeta.
Beijinhos e uma boa semana.
Ailime

bea disse...

Seara Alheia trouxe-nos uma carta e mais a história dela. Mas quem não escreveu cartas dessas para ninguém? que é o mesmo que dizer, para alguém que nunca as lerá, cartas sem resposta e sem selo nem caixa do correio, cartas diferentes e que, sendo para outrém, são um modo claro de escrever a si mesmo. Seja homem ou mulher. Basta ser humano e viver em poesia. Se a saudade o visita. Quando.
Boa semana, Graça:).

carlos perrotti disse...

Entrañables tristes versos... No conocía al Poeta hasta tu presentación. Muchas gracias, Graça.

Abrazo grande, Poeta.

Olinda Melo disse...


Senti um baque ao ler esta "A Carta", de Luís Rodrigues.
Não há dúvida de que é uma carta de amor, quase eterno.
E tive/tenho a sensação de que é endereçada a alguém
que já não é neste mundo. O destino que não é dito,
a jarra de flores que seria depositada no lugar
inscrito...E deitou-se para sonhar como fazia todos
os anos... Um ritual repetido todos os anos.

Devo dizer que estes versos,

"Escreveu a data na primeira linha
o dia registado_seminal" ...

atrapalhou-me um pouco, mas também sei que há um
sem-número de significações para a mesma palavras.

O Autor que me perdoe se extrapolei.

À querida Graça os meus agradecimentos por ter trazido
para a sua "Seara alheia" este belo texto.

Boa semana.
Beijinhos
Olinda

pensandoemfamilia disse...

Não conheço o poeta , mas muito sensível, emociona e nos traz lembranças. Eu sempre gostei de escrever cartas, algumas nem foram enviadas, ficaram como registro de um momento ... Abraços.

Mário Margaride disse...

Uma verdadeira carta de amor, onde a nostalgia e o desalento estão bem patentes neste belo poema!
Gostei muito, amiga Graça.
Votos de uma excelente semana, com muita saúde e paz.
Beijinhos, com carinho e amizade.

Mário Margaride

http://poesiaaquiesta.blogspot.com

J.P. Alexander disse...

Triste historia tan bella y romántica. Me ha encantado. Te mando un beso.

Os olhares da Gracinha! disse...

Escrevi tantas cartas... e a minha filha ainda gosta de o fazer!
Obrigada pela escolha 😘

Olinda Melo disse...


rectificando:

...não é deste mundo...

os versos...

atrapalharam-me...

Bjs

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Graça

Leio o "nosso" Poeta/Pintor todos os dias lá no seu https://brancasnuvensnegras.blogspot.com/
mas não me recordo de ler este poema excelente e tão bonito.
fez muito bem em partilhar aqui este trabalho poético de elevada beleza.
boa semana para ambos com saúde e paz.
:)

Anónimo disse...

Olá Graça
Faz tempo que não nos comentamos
Amei a carta de amor, muito linda!
Abraços e boa semana!

Alécio Souza disse...

Querida Graça,
Somente um amor infinito e forte é capaz de superar a dor da perda, escrever uma carta póstuma para a pessoa amada é algo tão singelo, doce e sensível que transcende qualquer entendimento.
Belíssimo texto que você nos compartilha, adorei ler.
Um beijo!

Carlos augusto pereyra martinez disse...

Aún se escriben cartas para soñar. Un abrazo. Carlos

alberto bertow marabello disse...

Molto bella, delicata e struggente.
Seminare lettere e parole ed emozioni, è quasi un dovere
Un abbraccio amica Poetessa

Pedro Luso de Carvalho disse...

Olá, amiga Graça, agradeço a partilha desse belo poema de
Luís Raimundo Rodrigues, poeta que vim conhecer por seu
intermédio, nesta postagem.
Uma ótima semana, minha amiga, com muita paz e inspiração.
Um beijo.

solfirmino disse...

Minha querida amiga, esse é um belo poema sobre a perda. Emocionante.
Beijos

Juvenal Nunes disse...

Uma evocação saudosa plena de sentimento.
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes

celotehnur54 disse...

Hm ... Tidur langsung bermimpi ...? Senang ya dapat mimpi indah

Viagens pelo Rio de Janeiro e Brasil. disse...

Boa noite de quarta-feira-feira. Obrigado pela visita e comentário. Obrigado por partilhar esse lindo poema, conosco.

Luiz Gomes.
viagenspelobrasilerio.blogspot.com

Fá menor disse...

Que belíssimo poema! Pude visualizar toda a cena poética. Uma carta, uma poesia de antigamente.
Beijinhos.

lanochedemedianoche disse...

Muy interesante poema, en él podemos apreciar el amor de un hombre que fue amado.
Abrazo

Jornalista Douglas Melo disse...

Bem disse “Fernando Pessoa” e a amiga conhece tão bem:

“Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo, cartas de amor ridículas... As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor, é que são. ridículas.”

Beijos querida poeta Graça e bom final de semana!!!

Mário Margaride disse...

Olá, amiga Graça,
Passando por aqui, relendo este belo poema que muito gostei, e desejar um feliz fim de semana, com muita saúde e paz.
Beijinhos!

Mário Margaride

http://poesiaaquiesta.blogspot.com

CÉU disse...

É pena que agora poucas pessoas escrevam cartas e muito menos com sobrescritos cor-de-rosa ou azul claro, mas ainda há homens e mulheres que o fazem por amor, lembrando todos os momentos vividos.
Segundo percebi, a carta que este homem escreveu era para a sua amada defunta e iria colocá-la na sepultura. Decerto que adormeceu feliz.
Beijo, querida amiga Graça.

Isa Sá disse...

Bonito poema.
Isabel Sá
Brilhos da Moda

baili disse...

a love letter is described here so beautifully dear Grace !

glad you picked this one and shared

i think love letter is one of the most beautiful thing that happen to two people when they try to make their feelings familiar to each other .
i am lucky that i had gone through such phase for while .even if they were not love letter but i remember how powerful was the magic of them so i decided to to feel that way for all my life .
grace of lord i did not regret :)
hugs!

Teresa Almeida disse...

Tocante! Não contava nada com tanta sensibilidade.

Beijos Rui e Graça.

Carlos Augusto Pereyra Martínez disse...

El poema hermoso, a pesar de la melancolía, y el referente de la carta, una mujer y puesta bajo el florero ya habla de un amor ido. Ya no se escriben cartas, pero cómo nos gustaba escribirla, como el personaje del poema, adherido a la tradición de la carta amada, a pesar de que estuviera muerta. Un abrazo. carlos