Recorto do jornal uma primavera antiquíssima
e, sobre o vazio, esculpo a notícia do meu nome.
Tenho a idade da menina
que adormece ao som da voz materna.
No meu peito há uma árvore,
onde prendo um baloiço para espiar os ninhos
e entrelaçar, nos cabelos, penas de todas as cores.
Estou só. Tenho valsas rasgadas nos pés
e asas, como línguas, em torno da boca.
Hoje cubro de branco outras sombras.
Entre os meus dedos e a lua
pairam pluviosos olhos.
Começa em mim a emboscada
dos lugares abandonados,
espreitando os amantes traídos.
A minha tristeza pode ser um barco,
ou, apenas, o corpo de um homem
vestido de relâmpagos azuis.
Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997
1 comentário:
Relâmpagos azuis, tuas palavras cobrem-nos com o brilho dos outonos mais raros, com a primeira surpresa da infância. Grande beijo.
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