24.11.06

Sempre um sonho nos arrasta

Manuel Fazenda Lourenço


Por todas as razões que definem o rumo
do vento, ou o tornam cativo nas velas
de um barco sem destino,
sempre um sonho nos arrasta.
Não, não quero ser salva de previsíveis
transgressões a um código de rotinas impostas.
Sou jovem. Hei-de sobreviver ao meu próprio caos,
antes que a noite seja mágoa no poente

e, por dentro das manhãs,morram os pássaros
sufocados de tristeza.
Hei-de sobreviver, antes que, de boca em boca,
circulem as palavras prisioneiras da ilusão,
ou o rio que me corre nos olhos

esgote o seu caudal em litígio com a nascente.
Hei-de sobreviver, porque existe um outro tempo:
livre, povoado de rostos que antecipam
o percurso da esperança.
Existe, sim, um continente soalheiro,
ao alcance do mais íntimo pressentimento da vida,
onde, em asas de gaivota, nascem os homens

reconciliados com a morte.

Graça Pires
De Reino da lua, 2002

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