3.4.07

À mercê da lua

Amedeo Modigliani


A noite enrosca-se-me na cintura,
a mover-me um cerco,
a colocar-me à mercê da lua.
Um trilho de água-doce
humedece a orla de uma nudez
convergente com o desejo.

Perante a indiferença de toda a gente,
uma mulher desceu a montanha,
prenhe de solidão. Fascinada pela noite,
deixou que lhe mutilassem as mãos,
para parir sem algemas.
E doeu-lhe no peito o grito de nascer
de todos os filhos, o soluço sufocado
de todas as mães. Depois, pairou no ar,
um estranho aroma de sardinheiras brancas.

Graça Pires
De Reino da lua, 2002

4 comentários:

Menina Marota disse...

"...Perante a indiferença de toda a gente,
uma mulher desceu a montanha,
prenhe de solidão. Fascinada pela noite,
deixou que lhe mutilassem as mãos,
para parir sem algemas."


Como comentar-se algo de tão profunda sensibilidade?

Deixo a minha gratidão pela partilha de tais sentimentos.

Um abraço carinhoso e Feliz Páscoa

Anónimo disse...

subscrevo a menina marota. poema a reler numa hora menos matinal. e o amedeo é de uma ternura comovente.

um grande beijinho, graça. obrigada

Graça Pires disse...

Obrigada menina marota e Alice por gostarem do meu poema e aceitarem com o coração a partilha que dele faço. Uma Páscoa feliz para vocês e um carinhoso abraço.

João disse...

E ternamente colava os seus lábios ao chão