19.4.07

O primeiro sinal da tua ausência

Edward Hopper

Rasgo, nos pulsos, a veia onde guardei
o primeiro sinal da tua ausência.
Esvaio-me em sangue, ou em raiva,
como se a morte fosse o único modo
de resgatar os sentimentos
pelo percurso do coração.
É estranho como consigo amar-te,
mesmo quando em mim se quebram
todos os mares intranquilos
e o corpo se despedaça contra as fragas
de um pervertido monólogo.
É estranho como decidi partir, presa ao teu rosto,
contra a vertigem de querer encontrar,
na tua mão, a linha da minha vida. É estranho.
Há agora um lugar onde é perigoso o amor.
Sou a porta aberta a todos os pássaros
a caminho do sul e enrolo o pensamento
na revolta de não poder seguir-te,
de não poder querer-te,
de não poder esconjurar no teu abraço
todas as minhas culpas.

Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

2 comentários:

Menina Marota disse...

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Um abraço ;)

Graça Pires disse...

É belíssimo este poema da Sophia. Obrigada Menina Marota. Um abraço