29.11.21

Tornei-me caminhante


Silena Lambertini 



As flores sem rega nos peitoris das janelas 
retalham os punhos, nervo a nervo. 
E, de porta em porta, as mães acendem as lamparinas 
para avistarem as mágoas escondidas nas fissuras 
dos muros sem ramagem. 
Ensombra-me o brilho que incide sobre as pedras 
e sobre a desordem baldia dos taludes. 
Amplio as mãos para que sejam margens 
de um rio caudaloso onde me navego e me aprofundo. 
A luz quase se esgota em meus olhos, 
tão ávidos de paisagens líquidas. 
Para encontrar um veio de água, tornei-me caminhante 
e escalei o declive das nascentes. 
Agora posso abraçar os lírios brancos, 
adorar a lua cheia ou amar as bailarinas de degas. 
Mas não me perguntem por que razão 
se comovem os meus olhos em horas perturbadas. 

Graça Pires 
De Antígona passou por aqui, 2021, p. 50


Para quem gostar de ouvir o poema:

           https://youtu.be/y1sif_TCvEU 

21.11.21

CONVITE - ANTÍGONA PASSOU POR AQUI

Muito obrigada a todas as minhas Amigas e a todos os meus Amigos que fizeram do lançamento deste livro uma festa da poesia e da amizade. Bem hajam! A Festa foi linda!!!



POÉTICA EDIÇÕES está convidando você para uma reunião Zoom agendada.

 

Tópico: ANTÍGONA PASSOU POR AQUI

Hora: 27 nov. 2021 04:00 da tarde Lisboa





Entrar na reunião Zoom:

https://us02web.zoom.us/j/81341163078?pwd=emtoemNPcmpabDI2NXhRSkFuQ1FZUT09


O livro será apresentado por Carlos Campos.


Convido todas e todos os que puderem e gostarem, a partilhar comigo esta festa de poesia.

                                      Obrigada.


Se desejarem ouvir um poema deste novo livro podem fazê-lo aqui:

https://youtu.be/XyBsesY12Eg


 Lembro que o livro pode ser adquirido na Poética Edições em pré-venda até dia 26 de novembro através do link:

        https://poeticalivros.com/collections/poesia/products/antigona-passou-por-aqui



15.11.21

Aparecia depois das febres

Katharina-Jung


Aparecia depois das febres
no fim dos caminhos 
dos longos roseirais, situados 
a poente da cidade sobrelotada. 
Abria a cancela do pátio 
como quem diz, em voz baixa, uma oração. 
Despia-se e deitava-se na erva 
com as mãos sobre o ventre. 
E, deslembrada de tudo, 
ficava a ouvir o coração comovido e inquieto. 

Graça Pires 
De A solidão é como o vento, 2020, p. 45

8.11.21

Memórias de Isadora XV

Bill Cooper


A paixão da dança. 
Como disfarçar a indelével marca 
desta febre desvairada que, inteira, me possuía? 

As madrugadas respiravam, em meu hálito, 
a luminosidade despenhada sobre a terra. 

Os ventos, em euforia, ateavam-me 
um incêndio no olhar. 

Por meu corpo, ousado, pressentia 
o harmonioso sobressalto da emoção. 

A cintura rondeava um galope incontrolável 
a percorrer o gozo e a cilada 
na repetição de meus passos. 

Tudo o que sabia era um estremecimento 
intuitivo, uma ansiedade, 
uma aventura, uma sina. 

Entrava e saía de cena como se inventasse 
uma lenda ou escrevesse o meu nome 
no livro dos mistérios. 

Graça Pires 
De Jogo sensual no chão do peito, 2020, p. 33

1.11.21

Encostar o olhar nas sombras

Celeste Alves

Encostar o olhar nas sombras 
para vaguear a luz indecisa 
por entre árvores sem folhas. 
Suspender o vento na ramagem 
onde pousam os pássaros em busca 
do que restou das primeiras penas. 
Improvisar um bater de asas 
até amar a imprecisão do voo.

Graça Pires 
In: Acanto: revista de poesia. Leiria: Hora de ler, 2021, p. 57