29.4.10

Mãe

Ana Pires



Só na memória do teu rosto, mãe
posso encontrar agora as paredes
da casa onde nasci.
Como se fosse possível voltar
àquele tempo em que a felicidade
residia nas tuas mãos
entretidas a encaracolar os meus cabelos.


Graça Pires
De Caderno de significados, 2013

22.4.10

A Poesia andou na rua




Os barcos têm sede: falta mar.
Os lenços não respiram: falta vento.
Que outro (a)mar das marés do teu olhar
me tragam ao país a que pertenço.

Os vidros têm fome: faltam cravos
assomados às janelas do futuro.
Da teia dos meus dedos farei barcos.

Serão velas as palavras que procuro.

Hugo Santos
In: Armas de (a)mar. Lisboa: Ulmeiro, 1988

15.4.10

Em seara alheia



sabes, mãe. uma asa não deixa de bater
porque cai do corpo de um pássaro.

o nome que nos dão, ao nascer,
fica nos retratos, nos envelopes intactos,
nos poemas que hás-de escrever.

às vezes, é o medo que escreve,
outras é o vento, quase sempre
é o vento que escreve, mãe,
quase sempre é o medo.


Alice Macedo Campos
In: Um cão em cada dedo.


Este poema foi-me carinhosamente dedicado pela Alice num momento irremediável da minha vida. Obrigada, minha amiga.

8.4.10

Alguém me disse

Ana Pires

Alguém me disse, um dia, que as aves
marinhas vão morrer (ou repousar)
no solitário coração dos barcos afundados.
Que sugestão de luz lhes indica
o inevitável caminho das águas mais azuis?


Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

2.4.10

Na data prevista


Maria Clarinda


Na data prevista, desfez-se a noite
em sombras autobiográficas.
Demandei, por isso, o mais distante navio
para alcançar a geografia das sílabas
e conquistar um silêncio
tão propício à evasão
como um planar de pássaros sobre o mar.


Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997