27.8.15

O fim e o começo de múltiplas evasões

Dinis Ponteira

Vou pela irregularidade das pedras
de uma aldeia envelhecida.
Há casas vazias com manchas de verdete
 no trinco das portas e muros caídos
que são o fim e o começo de múltiplas evasões.
Os líquenes cobrem aleatoriamente
os degraus de granito e é lodoso o fio de água
vertido pela fonte de outras sedes.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

21.8.15

No centro das sombras mais belas


Georgette Douwma

Em direcção a um horizonte de bonança
mergulho até ao recife dos corais.
Sinto a lenta valsa dos peixes.
Recupero a inocência, o espanto,
a volúpia, o deleite.
Adivinho as formas, as cores,
a incisão luminosa.
E sei que é aqui o lugar
onde todas as conchas preferem morrer:
no centro das sombras mais belas.

Graça Pires
De Espaço livre com barcos, 2014

14.8.15

A negra cicatriz



Conhecemos a obscuridade dos quintais
onde se escuta o rumor das figueiras ardidas
quando o pólen secou sobre as flores
e a vegetação se ocultou para desvairar
os insectos agarrados à ruína dos muros.
Sem qualquer aviso extinguiu-se a precisão
das sombras na planura desolada dos prados.
Quem rasgou sobre eles a negra cicatriz
que exilou os pássaros e as árvores?
Por quem tocam os sinos a rebate
quando estremecemos voltados para a terra?

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

7.8.15

Xenofobia


Havia cordas de aço 
a amarrar-lhe os dias pouco a pouco. 
Era estrangeiro. 
E nenhuma infusão 
o livraria da forma cruel 
com que o condenavam 
a um premeditado exílio.

Graça Pires
De Caderno de significados, 2013