22.2.11

No sal de seus olhos

Isidore Pils



Nenhum caminho é acessível
à tremenda brancura da espuma
que as marés enfurecidas enrolam
nos rochedos enquanto os marinheiros
sussurram, entre eles, a demência
das mãos pregadas ao leme,
antecipando a posição das estrelas
no sal de seus olhos.

Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

15.2.11

Em seara alheia

Seguiam-se momentos obscuros
decifrados nas docas e nos cais.
Os andantes da noite
procuram prazeres mundanos
e instantes propícios às palavras
palavras indizíveis, sem nome
que atravessam o próprio rosto
e circundam as mulheres de fogo.
Atam as mãos em noites de lua cheia
e despem as noites de breu.
Pisam as areias molhadas e rasgam as sombras
com que percorrem lado a lado
o ponto mais alto do silêncio.
Transformando as palavras em navios.

José M. Silva
In: As sombras. Edição de autor, 2010

9.2.11

Tão hábeis os teus dedos



Talvez não seja inútil
colher, ao fim da tarde,
os miosótis plantados
nos teus pulsos: tão hábeis
os teus dedos manejando afagos.

Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

2.2.11

Memórias de Dulcineia XX

Katia Chausheva



Ao longo dos anos conservei
uma inesperada tristeza reflectida
em meus olhos cor da sede.
Pedra a pedra, casa a casa,
sombra a sombra vagueio
pelas sensações e aguardo
que se repitam os sonhos
que resistiram à violência do tempo.
Podia escrever com sangue
o instante, sem amparo,
onde reclinei a cabeça
para aguardar a morte
dos desejos.

Graça Pires
De Uma extensa mancha de sonhos, 2008