Hoje improviso a atmosfera dourada de um pátio andaluz onde o brilho das lajes esconde os cristais do choro e me lembram as cartas de amor amarelecidas, cujas palavras ainda adivinho pelo cheiro. Por meu olhar de sede e mel resvalam os astros que me tecem as feições em golpes inquietos. Sujo com areia os cantos da boca para aguardar o retorno das aves com asas de ventania que hão-de chegar no fim das grandes tempestades, trazendo promessas de areais cativos das dunas.
Vem, meu amor. Não tarda aí o fim do dia e ainda não plantámos as avencas junto do ribeiro para que o rosto da terra resplandeça nos prados. Repara: já há amoras no muro de pedra onde prendemos as raízes da sede. Graça Pires De Uma vara de medir o sol, 2012
Aguardamos uma luz de seiva que reacenda a treva que nos cega. Uma luz que não fira a brancura dos muros nem as sombras dos alpendres onde plantámos as giestas bravas. Uma luz que devolva à terra a farta lembrança das nascentes. Uma luz para ficar como herança quando as aves da morte se afastarem para sempre deste caos que, assustadoramente, nos acusa. Graça Pires De Uma vara de medir o sol, 2012
Monótonos se tornam os gestos com que refaço, grão a grão, o celeiro dos dias, mil vezes ardilosos, na arca onde se guarda o pão sem a pressa da fome em ávidas bocas. Pela janela iluminada vê-se a jarra das mimosas e o lenço colorido preso à haste do candeeiro. É o instante em que as sombras dançam em redor da noite perseguindo as mínimas variações da luz no amarelo excessivo dos malmequeres e nas asas das borboletas presas nas traves do tecto.