26.11.18

Em seara alheia



Afagas a mesa com tuas mãos de terra, mãos
nodosas habituadas à delicada tarefa das raízes.
Abres uma toalha branca. Uma toalha de linho
que deixa no terraço um odor a lavanda e estudas
o silêncio pelo intervalo das gárgulas, enquanto as
mulheres, exaustas, dispõem os copos, as fatias de
broa, os jarros com sangria. Afagas a mesa para o
rito primordial, pedaço de um sagrado que se abre
pelo terraço, pelos animais, pelos corpos sempre
divididos entre a violência do trabalho e a ascendente
pureza do desejo. Afagas a mesa para essa cerimónia
sem castigo nem pecado, sentas-te depois expetante
com uma terrível ausência a teu lado.

Victor Oliveira Mateus
In: Aquilo que não tem nome.  Posfácio de Ana Paula Dias. Lisboa: Coisas de Ler, 2018, p. 12

47 comentários:

chica disse...

Sempre lindas escolhas pra aqui compartilhar! beijos, ótima semana! chica

Larissa Santos disse...

Bom dia. Um poema exímio...Adorei :))

Hoje : As palavras ternas do meu dicionário

Bjos
Votos de uma Segunda-Feira

Emília Pinto disse...

Esta seara pode ser alheia, mas todos nos revemos nela, mas, muito mais nos revemos nas searas da nossa infância onde tudo era verde: verdes eram os campos por onde corriamos verdes as mãos que cortavam aquelas florzinhas simples que apareciam por entre as ervas, mãos de esperança que esse verde continuasse por todo o sempre para todos nós. Mas assim, não aconteceu, amiga! Hoje, na aldeia onde nasci, vê-se só o verde do milho, cultivado em todos os campos para dele se fazer o alimento para o gado e mais nenhum verde aparece que nos faça lembrar a nossa infância. Eucaliptos crescem em grandes extensões e isso quase faz rolar uma lágrima pelo meu rosto abaixo; hoje, o meu irmão não poderia ir ao monte pegar um pinheirinho para fazermos o presépio e muito menos encontraríamos o musgo fresco para o enfeitar; no verão tudo arde e no Inverno a natureza luta para renascer. Pede há muito socorro esta nossa terra e por ela temos de cantar um salmo e fazer a nossa parte para que este mundo aflito melhore, para que as atitudes do ser humano se modifiquem e assim tudo volte a ser verde, verdes os campos, verdes as águas, verdes de esperança o coração de todos nós Demorei, Graça, a chegar aqui, mas não por falta de vontade; aquele belo presente que a vida me deu, tem ocupado mais o meu tempo e aqui a este cantinho não posso vir com pressas, pois poesia requer atenção para que , lentamente, entre em nós e encha o nosso coração de serenidade. Poesia é necessária, principalmente nestes dias chuvosos e frios. Poesia aquece, amiga. Muito obrigada pelo belo momento e deixo-te um abraço de grande amizade
Emília

Bell disse...

oi amiga

Muito bom de ler.

bjokas e uma ótima semana =)

Marta Vinhais disse...

A solidão... a saudade...a memória....
Lindo...
Obrigada pela visita.
Beijos e abraços
Marta

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Excelente trabalho poético de que gostei bastante.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

carlos perrotti disse...

Profundidade de cada palavra esculpida como uma jóia, Graça, profundidade de cada verso de cada poema do natural que vem de vocé e que eu guardo na minha memoria, profundidade da beleza.

Abraço grande poeta!

Cidália Ferreira disse...

Intenso poema! Boa escolha!

Degraus, duma vida em movimento
Beijos e uma excelente semana!

Franziska disse...

La mirada poética no deja de poner en evidencia la realidad y ésta se hace con el sacrificio y el cansancio del cuerpo de las mujeres, es un reconocimiento que honra al autor de este magnífico texto que he leído con la mayor atención y espero haber comprendido.

Un abrazo.

CÉU disse...

Lembranças de amor e de dor. Gostei bastante do poema, Graça!
Beijos e boa semana.

Ailime disse...

Boa noite Graça,
Um poema magnífico de um grande Poeta como é o Victor Oliveira Mateus.
Tenho o livro e foi um prazer conhecê-lo no dia em que também foi o lançamento do seu livro Uma Vara de Medir o Sol.
Sempre muito generosa para com os amigos.
Beijinhos minha Amiga e Enorme Poeta.
Tenha uma boa semana.
Ailime

Luísa Fernandes disse...

https://poemasdaminhalma.blogspot.com/
Olá Graça Pires!
Em Seara Alheia... Um poema interessante, de Victor Oliveira, gostei imenso.
Beijinho e ótimo início de semana.
Luisa

lis disse...

É um ritual né Graça,os afagos!
... e também as ausências, sem necessariamente com nomes.
Muito bom!
meu abraço

Roselia Bezerra disse...

Boa noite querida amiga Graça!
Em terra do nosso semelhante, a gente vê angústias e solidão muitas vezes... mesmo com pessoas ao redor.
Sente-se uma nostalgia no poema...
Boa escolha para refletirmos em fim de ano, considerei.
Tenha uma noite abençoada!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

Gracita disse...

Palavras profundas que nos arrebatam à reflexão
Um poema intenso que gostei imenso
Beijos querida Graça

María disse...

Intenso y bello poema.

Un beso enorme.

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

São belas as palavras que lemos
e que ao mesmo tempo
parecem nos ler...

Abraço minha amiga Graça.

Célia disse...

Mensagem para uma reflexão primordial de nossas atitudes para com nossas vidas e as dos que conosco convivem.
Abraço.

Teresa Almeida disse...

É do trabalho e do amor que nos fala Victor Oliveira Mateus. E, desta maneira, nos ofereceste um excelente poema, Graça.

Beijos

A Paixão da Isa disse...

Mt bonito nele se ve a alma de quem o escreveu adorei bjs

Tanara Fagundes disse...

Tão maravilhoso de se ler!
Aliás, tudo bem? Meu nome é Tanara e estou voltando pro mundo blogueiro agora! Adorei teu cantinho e espero que visite e siga o meu, caso queira! Fico no aguardo! (: Beijinhos!

Majo Dutra disse...

Como uma pintura delicada onde não cabe o supérfluo...
Um texto magnífico em palavras essenciais.
Beijo, querida Amiga.
~~~

São disse...

Belo poema


Beijinho, amiga

Agostinho disse...

Coabitam nas mãos litúrgias que se extremam - dor e amor - como confirma o poema seleccionado.
Abraço amigo.

Lua Azul disse...

Fica no ar, com o final do poema, um desejo de preenchimento da ausência... como fazê-lo? Só o amor, só o amor pode ter esse papel...
Que o resto da semana seja bom.

_ Gil António _ disse...

Boa tarde:- Um poema de puro fascínio.
.
* Amor servido em copo de carinho *
.
Deixando cumprimentos

Ulisses de Carvalho disse...

Porque se houver pecado, não há, na verdade, quem esteja livre de um (ou de muitos). Abraços, Graça.

lanochedemedianoche disse...

Un cuadro de gran belleza tu poema poetisa.
Abrazo

baili disse...

Thank you for sharing dear Grace!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Remarkably written !

Existe Sempre Um Lugar disse...

Bom dia, memoria e a saudade casam, o poema é perfeito de Victor Oliveira .
Continuação de feliz semana,
AG

Anete disse...


Uma boa escolha, Graça. Poema bonito e com gestos determinantes, sensíveis.
Um abç

Suzete Brainer disse...

Graça,

Fiquei encantada com este poema do Victor Oliveira,
assim, como o título do livro.

A tua generosidade na partilha e divulgação da Poesia
de qualidade é sublime, viu?!

Grata por esta leitura, querida poeta.
Beijos.

Jaime Portela disse...

Gosto da poesia do Victor.
E este poema não é excepção, é excelente.
Obrigado pela partilha,
Graça, continuação de boa semana.
Beijo.

Toninho disse...

Que lindo poema nesta colheita Graça.
O que não tem nome, bem sabemos tem muito sentires.
Obrigado por mais esta bela seara.
Beijo amiga e bom fim de semana com paz.
Abraços

ANNA disse...

Graça,
Um poema magnífico de um grande Poeta como é o Victor Oliveira Mateus.
Sempre muito generosa para com os amigos.

Gracias por tu visita y aportacion en el blog
gracias por ser fiel a el
besos
Beijinhos minha Amiga e Enorme Poeta.

Acrescenta Um Ponto ao Conto disse...

Caros leitores,
convidamos-vos a ler o capítulo 2 do nosso conto escrito a várias mãos "Ecos de Mentes", que esta semana nos chegou pela mão da Luísa Vaz Tavares, interpretando Gabriel.

Sempre com o mesmo carinho por vós
saudações literárias!

Sinval Santos da Silveira disse...

Mestra, Graça Pires !
Lindo texto escolhido para presentear.
Fico imaginando a decepção, pela ausência
do convidado, após tanto carinho empregado
no ambiente...
Parabéns, ao Autor.
Um feliz final de semana e um caloroso
abraço, aqui do Brasil !
Sinval.

Ana Freire disse...

A vida é isso mesmo... um ritual diário... entre o que nos dá prazer... e o que nos dói... e com algumas ausências, cá por dentro...
Um belíssimo momento poético, que adorei descobrir e apreciar, repleto de sensibilidade! Mais uma magnífica partilha, Graça!
Beijinho! Bom fim de semana!
Ana

José Ramón disse...

Un placer siempre su visita Saludos

Quase Cinderela disse...

Belo poema que escolheu
Gostei muito
É mesmo assim a vida
Obrigada
Re: Obrigada por acompanhar a minha história ;)
Beijinho grande

Minhas Pinturas disse...

O poema lindo, mostrando as agruras da vida, é a realidade de todos nós, tempos bons e tempos ruins.
Gostei de ler, ótima escolha.
Beijinhos, bom final de semana,
Léah

Tais Luso de Carvalho disse...

Olá, amiga Graça, lindo poema... mostra os lados da vida, ora alegre, ora triste, e assim continuará. Perfeita partilha, querida.
Um beijo e uma excelente semana pra você, com muito criatividade!

Afagas a mesa para essa cerimónia
sem castigo nem pecado, sentas-te depois expetante
com uma terrível ausência a teu lado.

Fá menor disse...

Rituais que se cumprem e ausências que apoderam da pele em momentos que caem da alma.
Bonito poema. Parabéns ao poeta, que não conhecia.
Boa semana!
Beijos.

LuísM Castanheira disse...

Um Poema delicado, sensível e profundo. Mais diria que leio-o como um poema de amor e trabalho. Muito bom. E a ausência de quem descreve, no vazio, deixa um inscrito um acto de amor.
Gostei, mesmo muito.
E que "alma quase gémea" este livro e'.

Um autor que me despertou a ler.

Uma boa semana e um beijo amigo, Graça.

nota: do outro "gémeo, na quase cor" "Uma vara..." acho-o fantástico, ale'm de actual.




Francisco Laranjeira disse...

......................................
. Quando o poema não se lembra de ti .
Que te interessam as minhas tiradas,
a denotarem grande intelecto,
em rimas geniais e orquestradas,
sobre o meu tema predilecto ?
Que te interessam as minhas citações,
as demonstrações de grande sapiência,
quando sabemos que há multidões,
cujo viver é sobrevivência ?
Que te interessa que eu componha
poemas eruditos e sonantes,
quando há tanta pobreza com vergonha
e tu, sem posses para tratares os dentes ?
Que te interessa a minha veia poética,
a métrica, os meus poemas sem nome,
se a tua vida (aparentemente) ascética,
talvez sirva p'ra esconderes a fome ?
Que te interessa para quem escrevi
a minha prosa poética ou rimada,
se ela não se lembrou de ti,
se ela não te ajudou em nada ?
fl
..
Francisco Laranjeira
https://www.facebook.com/francisco.laranjeira.796
https://franciscolaranjeira.blogs.sapo.pt/?utm_source=posts&utm_content=1543775192192
......

Francisco Laranjeira disse...

Não há amor como o último. fl

José Carlos Sant Anna disse...

Uma boa seara, esta do poeta Victor Oliveira Mateus, que revela quantos sóis ele já viveu para uma tão acabada depuração da linguagem. Gostei desta partilha!
Beijos, minha amiga Graça!