8.8.17

Em seara alheia


os meninos colocam barcos de papel

os meninos colocam barcos de papel 
a navegar na valeta
e sonham com embarcações a percorrer países
e destinos improváveis de que são os comandantes
as meninas fazem grinaldas com folhas de arbusto
pintam as unhas com pétalas compridas de flores
e fingem que são rainhas
desfolham zangas fugazes e risos
intermitentemente com cores de eternidade
um futuro pouco distante
lhes dará um reino e um trono
em que o tempo será um bicho medonho
a devorar o futuro
e brincar será apenas uma coincidência
a aldeia agora é um fantasma de escombros
com casas que sorriem velhas de amargor e tristeza
porque as telhas estão gastas
e os fornos não dão pão
e os canteiros não têm flores
os risos dos meninos soam distantes
girassóis em busca de luz
a fabricar sonhos em outro lugar
a luta é um incessante caminhar
por uma selva sinuosa e densa
e há correntes onde os homens se agarram
para atingir os píncaros da montanha e tocar o céu
a brincadeira acaba num grito de mãe a dizer
vem jantar
o dia cheira ao suor dos homens
e ao riso distante dos meninos.

Graça Alves
In: Da Timidez dos Homens. Coimbra: Palimage, 2017, p. 38

39 comentários:

Graça Pires disse...

Um livro que vale mesmo a pena ler, este, "Da Timidez dos Homens" de Graça Alves, não só pela excelência da sua escrita, mas também porque em nenhuma palavra se perde o tanto que a autora nos quis transmitir.
Parabéns, Graça!

Ana Freire disse...

Um texto muito belo... onde se cruza a terra dos sonhos de criança... com o mundo real, dos adultos... onde nem sempre cabem os sonhos... e onde se cruza o passado com o presente...
Mais uma belíssima descoberta, por aqui... nesta fantástica partilha!
Gostei imenso! Beijinho!... Desejando-lhe a continuação de uma excelente semana...
Ana

chica disse...

Muito lindo e essa imagem do menino e seu barquinho de papel, com sonhos dentro dele é maravilhosa...Adorei ler! bjs, lindo dia! chica

baili disse...

Dreams grew in the fields of eyes like self growing grass and wave with the breeze of our struggle to make them come true.
Excellent poetry my friend!
Fabulous days ahead

Fá menor disse...

Belo!
A inocência das crianças vai-se, depois, esfumando à medida que o suor alastra.

Bjinhs

Cidália Ferreira disse...

Fantástico poema!

Parabéns. Amei

Lucinalva disse...

Olá Graça
Belo poema, bjs querida.

Marta Vinhais disse...

Sonhos... Memórias... que tornam o hoje triste....
Num passado que nada tem a ver com o presente...
Gostei muito...
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta

Anónimo disse...

Apenas isto: maravilhoso.

Gostei muito de " Fui quase todas as mulheres de Modigliani"

Maria Isabel

Aline Goulart disse...

Dois mundos no mesmo espaço: de um lado, a inocência das crianças; do outro, a realidade dos adultos. Esse tipo de brincar é um sonhar acordado. E só uma alma inocente pode fazê-lo com maestria. Lindo poema, Graça. Encantada!

Beijinhos.

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Um belo poema e eu fiz bastantes barcos de papel.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados

Majo Dutra disse...

Livro já encomendado...
O poema está belíssimo.
Beijos, estimada Graça.
~~~

Victor Barão disse...

Muitas vezes, na meninice, "naveguei em barcos" senão de papel, de rolhas de cortiça, colocados riachos abaixo, sem destino determinado, além de onde o improviso e as pernas levassem, muitas vezes onde "um grito de mãe a dizer vem jantar" já não chegava... a "aldeia é agora, senão, um fantasma de escombros" ao menos transformou-se muito, com "as telhas gastas" a dar lugar a novas telhas... onde de facto "os fornos já não dão pão", deixaram sequer de existir... os "canteiros diversificaram-se" ... e "os risos dos meninos já (quase) só soam na memória distante"...
Obrigado e parabéns às: autora Graça Alves e divulgadora Graça Pires
Beijo, com votos de excelente semana

Emília Pinto disse...

Os meninos nasceram, a maioria deles queridos, amados; foram crescendo, brincando, sonhando continuar a serem meninos. Mas...tudo mudou na vida de muito deles e os barquinhos de papel foram -se afundando, uns atrás dos outros, levando com eles a esperança, a alegria de brincar, o brilho que costumavam ter no olhar. Tornou-se árida a terra, escasso o trabalho, árida a vida ...nada em cima da mesa, papel para os barquinhos ...nada também. Já não são crianças, não puderam ser meninos e agora são homens que continuam a luta para que um dia os barquinhos de papel voltem a correr riacho abaixo ao som das gargalhadas felizes dos seus meninos,
Graça, obrigada pela partilha de tão linda poesia. Um beijinho e que tudo esteja bem contigo e com os teus
Emilia

Agostinho disse...

Apetece-me dizer ao ler:
sou estes "barcos de papel"
Dêem-me o mundo da poesia
que floresce dia a dia
nos regatos da inocência
Nos meninos não há simulações
nem desodorizantes invençoes.

A Graça Alves tem uma forma de usar, digo melhor, de ousar, sem macular de artifícios fogazes as palavras. Vêm-lhe puras do coração à mão e estende-as na linha do verso na sua genuína beleza.

Bjs à duas, Graças.

Ani Braga disse...

Que lindo...

Obrigada por compartilhar, ainda não conhecia nada dessa autora, mas achei realmente muito bonito. Vou procurar saber mais.


Beijos
Ani

Marco Luijken disse...

Hello Graça,
Wonderful words with a nice image.

Kind regards,
Marco

Tais Luso de Carvalho disse...

Que lindo os sonhos infantis, carregados de inocência e sonhos. Mas uma lenta metamorfose vai diluindo o que era infância, vai sumindo e transformando-se em algo mais pesado... e tudo o que era encanto fica na lembrança, inclusive das mães.
Bela partilha como sempre, querida Graça.
Um beijo, amiga.

ANNA disse...

Me ha gustado mucho esta entrada
Gracias por pasar por mi blog

Hay un traductor por si no entiendes alguna poesía en Català

Anete disse...

Texto gostoso de se ler e "viajar" com os personagens.
Um abç

Sinval Santos da Silveira disse...

Graça Pires, querida Poetisa/Escritora !
Que bela "seara" escolheste para viajar minhas
recordações, nas lembranças expressas por
Graça Alves !
Muito grato, querida, com o meu carinhoso abraço,
aqui do Brasil.
Sinval.

Adilson Shiva - Rio de Janeiro - Brazil disse...

Muito lindo!
Parabéns pelos seus escritos!

Teresa Almeida disse...

Poema excelente. Revejo-me.
Sente-se a desertificação dos sonhos que moravam nas aldeias da nossa infância.

Beijinho, Graça.

teresa p. disse...

Memórias da idade da inocência, do sonho e da fantasia...
Parabéns à autora por este belo poema e obrigada a ti por o dares a conhecer "Em seara alheia".
Beijo.

Marta Moura disse...

'o dia cheira ao suor dos homens
e ao riso distante dos meninos'

Perfeito!

Jaime Portela disse...

Um belo poema da Graça Alves, de cuja poesia gosto muito.
E vale mesmo a pena ler o livro dela.
Bom fim de semana, amiga Graça.
Beijo.

Ana Tapadas disse...

Belíssimo poema! Obrigada.
Beijinho

Odete Ferreira disse...

Sempre a eterna infância (e um tempo e os lugares) que nos prende às raízes.
Belo e profundo com um léxico despretensioso, tal como é a evocação deste quadro.
Tentarei ler esta poeta.
Bjinho, Graça

Franziska disse...

Excelente poema. La tragedia de los sueños rotos de la infancia pero así y todo era bvuenos tiempos porque los niños soñaban imposibles, pocas veces los sueños se cumplen. Hay cambiado las formas de vida, de la vida inocente de los pueblos, pero los niños siguen soñando: ahora con viajes a la luna y las niñas, ya no quieren ser princesas sueñas con ser estrellas de la canción o pilotos espaciales. Me encantó el poema. Un abrazo con todo mi respeto y admdiración. Franziska

Olinda Melo disse...


Sonhos de criança entrelaçados com a realidade crua.
Um belo poema que nos coloca no cerne da nossa
própria fragilidade.

Obrigada, Graça, por nos trazer esta autora. Gostei
muito de a ler.

Bj

Olinda

Silenciosamente ouvindo... disse...

Nada como os sonhos de criança.

Gostei muito. Que saudades dos

meus tempos de criança.

Desejo que a amiga se encontre bem.

Bjs.

Irene Alves

Ailime disse...

Boa tarde Graça,
Um poema lindo em que a inocência das crianças se cruza com a realidade dos adultos evocando tempos passados e por vezes tão presentes.
Um poema, que me deixou curiosa sobre a autora.
Beijinhos e bom fim de semana.
Ailime

FILOSOFANDO NA VIDA disse...

Bom dia amiga!
Minha visita hoje é para divulgar o blog da Biblioteca da escola que trabalho EREM DR Mota Silveira. Biblioteca Madre Ódila Maroja, este cantinho especial nasceu recentemente. É um blog voltado para pesquisas nas mais diferentes áreas de conhecimento, já tem postagens de , Matemática, Química, Biologia, Língua portuguesa, Filosofia, Sociologia, Direitos Humanos e outras áreas de conhecimento. Também faço parte na organização e pesquisas das postagens. O link é este, http://bibliotecamadre.blogspot.com.br/ caso deseje conhecer e seguir, será um grande prazer, pois como seguidora e comentarista dos meus blogs, você só engrandece as postagens. Obrigada, tenha um Domingo de muita paz e um início de semana abençoado.
Desculpe não comentar a sua maravilhosa postagem, logo retornarei. Abraços Lourdes Duarte.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Um belo poema, onde eu retornei à infância,
escrito com sensibilidade e ternura,
gostei.
boa semana.
beijinhos
:)

mz disse...

Continua o sonho noutras paragens, onde nem se pensa como se faz o pão.

Bjs

Suzete Brainer disse...

Graça,

Que maravilha esta partilha, a excelente poética da
poeta Graça Alves é especial para mim, na admiração
e no acompanhar nas leituras deste seu sentir sublime
humano (raro) e a limpidez dos significados e palavras
na exatidão da sua expressividade poética sempre.

Beijos para as duas poetas admiráveis!

Boa semana, Poeta.

Mirtes Stolze. disse...

Bom dia querida Graça
Uma partilha maravilhosa. Imagino como o livro deve ser interessante. Os sonhos e inocência infantil é tão lindo. Uma linda semana. Grande abraço. Estava com saudades amiga. Seus textos, poemas e partinhas são sempre um grande prazer ler.

Graça Alves disse...

Oh, Graça!
Que surpresa :) Muito obrigada pela partilha deste meu poema.
Agradeço também os comentários. Obrigada por gostarem!
Um beijinho

manuela barroso disse...

A realidade e crueza da vida , antecedida por uma infância cristalina
Belíssimo poema!
Obrigada , Graça (s)
😘👏👏