5.9.17

Antonia

Amedeo Modigliani

Em minha infância aflita
usava um inconfessado modo de rezar
as orações que me ensinaram.
Rogava para crescer depressa.

A crença em deus parecia-me converter
o desalento na delicada esperança de uma dádiva.

Agora, quem me dera não ter crescido tanto!
É tudo tão cruel neste tempo loucamente obscuro.
Preciso de palavras inteiras: ecos
na voz dos que não ignoram o sangue,
os gritos, os muros do ódio, a dor.
Preciso de palavras únicas a susterem
os sons da vida, com pétalas adejando na boca.

Quero ir com os viajantes ou com as aves
sem direcção prevista.

Quero decifrar horizontes e habitar
o desmedido quebranto do alvorecer.

Quero esgueirar-me pelo relento das grutas,
pelo lado mais escurecido das estradas e das casas.

E deixar que cada anoitecer me denuncie.

Graça Pires
De Fui quase todas as mulheres de Modigliani, 2017

48 comentários:

chica disse...

Lindo,Graça! Quem, quando criança não sonhava em logo crescer? Não sei o motivo, pois deveríamos viver aquela fase linda por muiiiiito tempo! bjs, chica

Cidália Ferreira disse...

Soberbo poema! Amei

Beijinhos

Laura Ferreira disse...

lindíssimo!

Marta Vinhais disse...

A desilusão...O Mundo não é o dos nossos sonhos de infância...
Gostei muito...
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta

Francisco Manuel Carrajola Oliveira disse...

Já vi que a minha amiga é uma apreciadora assim como eu da pintura de Modigliani, e gostei bastante do poema.
Um abraço e boa semana.

Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros

Existe Sempre Um Lugar disse...

Boa tarde, todas as crianças sonham que o tempo passe rápido para crescer, depois, os adultos sonham com belas recordações quando eram crianças, o poema é lindo.
Continuação de feliz semana,
AG

Bell disse...

Se a gente soubesse o que é crescer , acho que nunca íamos desejar isso qdo crianças.
Perdemos a inocência e a espontaneidade, a visão de mundo fica turva.

bjokas =)

Maria Eu disse...

Crescer dói.

Belas. Sempre belas, as tuas palavras.

Beijos,Graça. :)

O Puma disse...

Um dia seremos de novo crianças
Já somos
Bj

Odete Ferreira disse...

Destaco, neste poema, o caminho que traçaste para seres fiel ao nome e à significação da postura desta Antónia. Pelo menos foi a leitura que fiz observando a tela e o poema. Esta atitude contemplativa, o vestido, a colocação da mão pertencem a alguém que sabe muito da vida, que está atento.
As aflições de um hoje que minimizam as sentidas em criança.
Gostei mesmo!!!
Bjo, Graça

A Casa Madeira disse...

Quero decifrar horizontes...
Lindo.
Abraços.

Graça Sampaio disse...

Muito bom!! Muito bom! Muito completo, muito conseguido, muito atual, muito sentido...

Beijinhos, Poeta!

Ailime disse...

Boa noite Graça,
Um poema maravilhoso.
Em criança queremos crescer, quando ainda estamos tão longe do mundo que se vai mostrar tão diferente daquele olhar e sonho tão puros de então.
Um beijinho minha Amiga.
Continuação de boa semana.
Ailime

Célia disse...

Esse poema me fez pensar no crescer do pensamento... Como é mágico o da infância... O crescer físico não é nada perto do crescer mental...
Abraço.

Victor Barão disse...

Um poema tão cheio de significados que me dizem tanto que nem me atrevo a começar a dissecá-los _ até porque vale por si só e eu tenho tendência para me explanar na prosa! :)
Mas ainda assim e muito resumidamente diria que a meu ver e sentir é um poema muito completo que encerra a vida de entre a infância e a idade adulta, mas também de entre a esperança como luz ao fundo dum túnel que neste último caso parece cada vez mais negro e com horizontes pouco claros para lá do mesmo!!!
Muito belo, o Poema, em si mesmo, na sua origem e essência, uma fonte de esperança na humanidade!
Beijo de muita estima e admiração

As Mulheres 4estacoes disse...

Crescemos, e com isso nossa percepção de mundo também. Constatar a rudeza de uma parte que nos cerca causa dor e o desejo de ver a alvorada chegar trazendo luz ao nosso entorno.

Tais Luso de Carvalho disse...

Graça querida, esse teu belo poema emociona! Com ele voltei ao passado, lembrei como eu queria crescer, ter conta para pagar, casa para cuidar, trabalhar, ser adulta e decidir tudo! Mas eu não sabia que os sonhos dos adultos são diferentes, que as responsabilidades, as preocupações com casa, família, trabalho e a visão do mundo seria outra; que saberíamos exatamente ver as coisas boas mas também avaliar os perigos da vida. Não pensava no tanto de sofrimento que seriam nossas perdas. Hoje eu não teria mais tanta pressa.
Beijo, querida amiga. A obra é maravilhosa.
Aplausos.

Lídia Borges disse...


"Preciso de palavras únicas"...

Beijo meu!

Lídia

" R y k @ r d o " disse...

Olhando em frente e ... caminhar até ao infinito do imaginário. Depois, deixar que o pensamento seja o arco-íris da própria palavra
.
Deixo cumprimentos poéticos.

Majo Dutra disse...

A Antónia que descreveste, cresceu como eu...
Acompanhou um mundo que tornou-se cada vez mais um lugar
de onde impera a crueza e a desumanidade.
E tal como ela evito as lanças, mas não desisto de lutar...
Um poema intenso e singular.
Parabéns, Amiga.
~~~ Beijos ~~~

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Graça
um poema tão profundo e com tanto significado.
mas, por vezes (muitas) crescer dói e como dói!
muito bem!
beijinhos
:)

Nal Pontes disse...

Muito bom. Se pudéssemos voltar a nossa infância? No tempo de nossa inocência. Dos tempos bons é claro. Bjs Graçq

RN disse...

Adorei conhecer a Antonia, espelha tão bem a realidade do tempo em nós. Queremos tanto crescer, mas quando crescemos a magia acaba e só queremos voltar a ser crianças, voltar a acreditar num mundo feliz e genuíno.
Um beijinho

Zilani Célia disse...

OI GRAÇA!
HÁ SE TUA "ANTONIA" SOUBESSE...
NA CERTA NÃO TERIA TANTA PRESSA DE CRESCER.
LINDO POEMA.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/

Olinda Melo disse...


Olá, Graça

Bom dia.

Este seu poema descreve de forma magistral o crescimento e as suas dores.
Desde da repetição das palavras e de uma forma de ver o mundo que nos in-
culcaram até à nossa tomada de consciência da realidade. Um sítio muito
duro em que nem as orações da infância ao Deus de todas as coisas nos
protegem.

Bj

Olinda

Ana disse...

Adorei! Palavras muito bonitas!
Beijinhos,
http://chicana.blogs.sapo.pt/

Blog da Gigi disse...

Passando pra desejar um ótimo dia! Beijos

Suzete Brainer disse...

um poema grandioso, que nos diz sobre a relação do tempo,
o tempo no voo da vida, que na infância existe uma sede
de percorrer na magia do "desconhecido" e depois, um voo
a decifrar os sinais do caminho, se deixando ficar nos
instantes de liberdade e muitas vezes voltamos a esta
liberdade vivida na infância...
Poema emocionante, que fez um caminho único com as palavras,
um voo na imensidão da excelência. Sabes, Amiga Poeta, lhe digo,
um caminho poético no máximo da arte expressiva, bravo!
Grata por este momento de leitura aqui...
Beijos.

Jaime Portela disse...

A sorte é que o tempo não passa de acordo com as nossas preces...
Gostei do poema, é excelente.
Bom resto de semana, amiga Graça.
Beijo.

Gaby Lirie disse...

Acho que sempre tem um momento que pedimos para crescer depressa, e vários outros momentos de nostalgia, que só desejamos voltar a ser pequeninos.

Lindo Graça, obrigada pela visita linda de sempre!

Beijos!

teresa p. disse...

"Crescer depressa", sonho infantil, inocente e ilusório. A vida, a seu tempo, encarrega-se de nos mostrar a dura realidade. "É tudo tão cruel neste tempo loucamente obscuro".
A voz de Antónia, neste poema magnífico, exprime sentimentos e emoções inerentes à nossa humanidade. Lindo!
Beijo.

Sinval Santos da Silveira disse...

Querida Mestra/Poetisa, Graça Pires !
Este poema, tão humano, revela o quadro de alguém
que já nasceu grande...
E quando se fez adulto, não mais encontrou espaço
para se acomodar ao mundo que estava ao seu redor.
Parabéns, Amiga !
Um carinhoso abraço, aqui do Brasil.
Sinval.

ManuelFL disse...

«Palavras únicas a susterem os sons da vida.[...]
Habitar o desmedido quebranto do alvorecer.»

Todo o poema mexeu comigo.
Beijo, Graça.

baili disse...

Ah...childhood is beautiful with no awareness of brutality and dark side of the world ,everything seems from heaven,
still to live without more pain that kills your spirit slowly you have to keep that child alive inside you to remember that there is still water in glass though reached to bottom but there is

Fá menor disse...

A infância teceu-nos alvoradas na alma, que mais tarde nos fogem das mãos gretadas.

Bom fim-de-semana, amiga!

José Carlos Sant Anna disse...

Sem dúvida, o mundo é o que jaz cá dentro, assim é a poesia em que os amplos significados não parecem às vezes acessíveis. Mas a poesia é sobretudo o que se eterniza em cada verso. E quanto vento semeado na leitura da pintura deste quadro pela tua sensibilidade.
Maravilhoso o trabalho de linguagem neste poema. Aqui se depreende tempo e entrega.
Beijo,

Aleatoriamente disse...

Ahhh!
Me perco no moldar poético que teus dedos teceram.
E meu coração sente a poesia num toque de estrela.
Beijinho Graça querida

Ana Freire disse...

Crescer, às vezes... é um gradual anoitecer por dentro... perdendo-se a alegria primordial, com que nascemos... substituindo-a pela fé... na restituição de alguns momentos mais leves...
Um poema muito belo, e profundo... que nos deixa a reflectir... em como o processo de crescimento e amadurecimento nos vai transformando tanto, por dentro...
Beijinho, Graça! Bom fim de semana!
Ana

Graça Alves disse...

"Rogava para crescer depressa"...tão bonito, Graça!
É à medida que nos aproximamos mais do fim que tudo fica mais cinzento e desejamos alvorecer...
beijinho

Alfredo Rangel disse...

A humana e natural insatisfação pelo trocar
uma infância simples e pura por um crescer
a preço vil, um caminhar sem direção da
vida adulta.
Tema e versos muito significativos.

Beijo

Daniel Costa disse...

Graça Pires
Beleza poética, mesmo a beleza da poesia, que bem explana a imagem dos nossos dias, que o nosso lado optimista não deixa ver. Aquilo que se aprende na catequese, em adulto gera descrença na divindade, na verdade.
Bjs

teresa dias disse...

Olá Graça!
Regressei às lides bloguistas, passei por aqui, e mais uma vez me espantei com a tua poesia.
Graça, este poema é lindo, lindo, lindo! Para ler e reler e reler.
Levou-me ao tempo, lá bem atrás, em que eu também "rogava para crescer depressa". Hoje, serenamente rogo por saúde e felicidade.

Vou ler todos os poemas que foste postando. Para continuar a deslumbrar-me.
Beijo.

Agostinho disse...

Bom dia.
Corre uma aragem limpa nesta manhã que me acorda do torpor opressivo de Agosto. Traz-me Antonia, o poema, à flor da pele: "...quem me dera não ter crescido tanto". Quem me dera ter o tempo na mão. Sempre na mão o dom de parar o curso das águas para rever-me na constância da alegria das águas do regato inicial.

Muito belo(a).
Bj.

Anónimo disse...

"a crença em deus parecia-me converter
o desalento na delicada esperança de uma dádiva"
Tb sempre me pareceu ser assim a minha crença. Hoje, por vezes mantém-se, outras vezes nem tanto

manuela baptista disse...

às vezes Deus ouve-nos e crescemos demasiado e depressa,
outras vezes não

deve ser esta a sabedoria das aves e dos viajantes

beijinhos, Graça

manuela barroso disse...


O voo do Tempo e nossas emoções espaciais. Tarde, muito tarde, as manhãs começam a denunciar
o levantar morno em cada passo. Se ao menos não houvesse trovões para nos acordar do torpor e as aves corressem sempre atrás de flores...Mas os invernos trazem centopeias desinquietantes
Tão Belo, Graça!
Beijinho!

Teresa Almeida disse...

Nosso olhar vai lendo a vida entre nuvens e searas loiras. E, com as mulheres de Modigliane, vais deixando páginas brilhantes. Bravo, amga!
Beijinho.

AC disse...

A Graça tem uma forma de se expressar que me me prende, me encanta...
Obrigado!

Abraço