22.4.07

O corpo do texto

Migdalia Arellano

Em movimento, o manequim desfila
a saga fonética de um tema contraditório.
Como dizer as jóias e as sedas
de um diálogo de amor interrompido?
Com que lantejoulas se enfeitam
as intrigas suspensas no mutismo?
Rodopiante, a prosa é outorgada
no delírio erótico das vogais.
Manufacturam-se réplicas e hábitos.
Especulam-se hipérboles.
Manipulam-se ciladas.
Na palma da mão, monta-se a plateia.
A bailarina confunde a dança
com o corpo do texto.
Transfigura-se na mitológica divindade,
sobre a qual toda a gente se questiona.
O enredo é a insónia onde dorme
a contrição da memória.
Uns braços, tatuados de ruínas,
anunciam a múltipla morte da inocência.
Anoitece na cidade costeira do cenário.
O poeta tem o mesmo olhar indeciso dos mendigos.


Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

3 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

vim através da Alice que tem o talento de "traduzir" excelentes "haikus"...como o hoje está "lá".



e fico a dever mais esta àquela menina doce.


obrigada.
às duas.

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Guilherme F. disse...

Cheguei por acaso e gostei muito, muito do que li.
Gui
coisasdagaveta.blogs.sapo.pt

Graça Pires disse...

Obrigada Isabel e Guilherme pela vossa visita. Voltem sempre. Um abraço