19.2.07

Um homem desertou



Um homem desertou da hipótese de amar.
Escolheu a curva perigosa de um remorso,
onde escondeu o brilho dos seus olhos.
As suas mãos desaprenderam os afagos
e perderam o dom de receber.
Então, nunca mais ninguém o viu chorar,
porque, da sua boca, apenas sai, agora, um longo
deserto, por onde rasteja a sua sede.
Mas, este rosto que se esconde,
não é de um homem.
É um amor perfeito coagulado no sangue,
ou qualquer máscara a disfarçar
distâncias do futuro e a rejeitar
a linguagem de um incêndio de vozes.
Com que penas se descreve
um pássaro transparente?
Com que asas se soletram
os voos de lonjura e solidão?
Há quanto tempo a terra se inundou
nas margens do olhar.

Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

2 comentários:

paulo disse...

Um homem deserta mais vezes da hipótese de ser amado que da hipótese de amar.

Graça Pires disse...

Foi por essa razão que o homem, que desertou da hipótese de amar, teve direito ao poema.
Um abraço e obrigada pelo comentário.
GP