30.10.06

Em seara alheia


BÁRBAROS

Vinham de longe, arrastados pelos ventos, e escondiam
nas mãos um punhado de areia fina para não esquecerem
o cheiro dos desertos. Subiram à montanha e,
com um ramo quebrado,puseram-se a riscar o contorno
do lago e os caminhos tortuosos das primeiras margens.
A água fascinava-os, como os cavalos que traziam
alados e sem crinas para chegarem sempre mais cedo.

Nessa noite acamparam no vale. Assaram um veado.
Beberam às mulheres que haviam de ter.
E adormeceram mais longe do céu.

Sonharam com o fogo para não terem de cortar o trigo.

De manhã, a planície estava ainda mais plana.

Maria do Rosário Pedreira
In: A casa e o cheiro dos livros. Lisboa: Quetzal, 1996

2 comentários:

Anónimo disse...

Hummmm!!!
Gostei do que li.
Passarei por cá mais vezes!
Um beijo da

Anónimo disse...

Maria do Rosário Pedreira

Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci.

LP