6.6.07

Vamos falar de poesia



A fascinação pela poesia tem sido, até hoje, uma das constantes da situação humana. Seria, contudo, um erro supor por detrás dessa fascinação um sentido e uma significação sem ambiguidade. O amor pela poesia, como todo o amor, é a história dum equívoco. Para a maioria dos homens o convívio com a poesia é a forma simples de ter ao alcance das mãos um mundo cómodo, mais tranquilo que o mundo de todos os dias, ou então a maneira de se alienarem num universo brilhante e raro, equivalente do sonho e do desejo. Pérola de imagens segregada pelo entusiasmo, o terror ou a esperança, a poesia oferece a cada homem o céu e o inferno portáteis de que precisam para iludir a necessidade de buscar no inferno real o céu possível. O amor que os homens lhe manifestam é esse amor aos céus ou infernos particulares, refinamento de um egoísmo inalterável. Adorno ou cócega da alma a poesia suscita em todos os homens, nem que seja uma só vez na vida, um começo de metamorfose semelhante à do autêntico amor, mas é raro que esse instante seja outra coisa do que a promoção de um último egoísmo. É mais a exaltação do mais radical dos nossos desejos que a sua destruição, a morte do «eu» e a ressurreição no «outro» de todos os amores reais. Amando na poesia o pior ou o melhor do que se é, vive-se a ilusão de um amor que não é senão o confortável amor de nós. É desta espécie o entusiasmo e a fascinação que a poesia exerce sobre o comum dos homens, quer dizer sobre todos os homens, pois ninguém pode supor-se permanentemente ao abrigo de ser como o comum dos homens [...].


Eduardo Lourenço
In Tempo e Poesia. Lisboa, Relógio d'Água 1987

7 comentários:

Anónimo disse...

Invocando livremente René Char, a poesia, tal como o amor, é ao mesmo tempo o fruto maduro, que apertamos, com júbilo, na nossa mão, e a flor, de futuro incerto, suspensa do caule orvalhado que colhemos pela manhã.

lena disse...

Eduardo Lourenço,um Senhor que abrange diversas áreas, da literatura e da arte aos acontecimentos políticos contemporâneos

Tempo e Poesia constitui o primeiro livro de Eduardo Lourenço que espelha e vive em profundidade a
relação entre Filosofia e Literatura,
- Ser e o Tempo

vir aqui é também aprender

obrigada Poeta

fica um abraço meu, por estas partilhas extraordinárias

lena

A.S. disse...

«Para quem ama, não será a poesia a mais intensa, a mais indestrutivel, a mais certa das presenças?», perguntava Marcel Proust.


Um beijo...

Anónimo disse...

O ensaista das grandes, das belas frases: «O amor pela poesia, como todo o amor, é a história dum equívoco». «O amor que os homens lhe manifestam é esse amor aos céus ou infernos particulares, refinamento de um egoísmo inalterável.»
Eduardo Lourenço, menosprezado nas universidades portuguesas (dizem-me antigos alunos, agora em licenciatura ou mestrado), acusado de excesso de impressionismo e de falta de rigor. Estes tempos de tecnicismo raso... E sempre tivemos um jeito todo nosso, neste país, para deitar fora o excepcional.
Mas esta bela entrada do blogue merecia um comentário mais luminoso. Desejo um bom fim de semana, esse sim, cheio de luz.
Um beijo

Um Poema disse...

"Vamos falar de poesia", aqui está um tema interessante.
E a abordagem de Eduardo Lourenço, que aqui nos trazes, está optima.

Para quem gosta de ler, não será sacrifício indicar-nos os livros lidos. Foi este o meu raciocínio quando te incluí nas minhas escolhas. Espero não ter sido inconveniente.

Um abraço

Graça Pires disse...

Gostei muito: Manuel, Lena, A.S., Soledade, e Vitor. Estive fora estes dias e hoje encontrei estes vossos eloquentes comentários. Obrigada a todos. E como não seria capaz de ter, para cada um, uma resposta à altura, vou fixar-me naquela ideia de ver o amor e a poesia como algo que desejamos muito e, ao mesmo tempo tememos. Dedico, então, a todos aquela pequena história de Tonino Guerra:
"Estava tão apaixonado que se fechou em casa, sentado junto da porta, para poder abraçá-la assim que ela batesse para lhe vir confessar que também o amava.
Mas ela não veio e ele envelheceu.
Um dia alguém tocou, levemente, à porta e ele, apavorado, fugiu, escondendo-se atrás do armário."
Um beijo.

Anónimo disse...

olá. sabes nunca liguei muito pa poesia , mas sempre gostei de escrever, uma amiga me incentivou a criar um blog e eu tou a faze-lo só com poemas feitos por mim e fotos tmb. como tenho amigos generosos eles dizem k adoram o k escrevo.se kiseres dá uma olhada.
http://paixoeseencantos.blogs.sapo.pt bjo carla granja