3.6.07

Era o tempo das colheitas

Manuel Alvarez Bravo
Era o tempo das colheitas.
Coroada de silvas, uma mulher
dançava, nua, no meio do trigo.
Tão líquida, a luz, contornava-lhe o olhar,
num movimento lento, quase discreto,
como se lhe pusesse, nos olhos,
o improvisado voo das estrelas.
Nunca se soube o que lhe aconteceu.
Mas, às vezes, de noite, ainda um rumor
de solidão se confunde com o vento.


Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005

16 comentários:

lena disse...

estava a descrever como a comecei a ler

entro de novo e deparo-me com este poema

a beleza enche por inteiro a dança que se sente, enquanto os olhos se deslumbram com as imagens que as palavras refletem

o vento, a solidão, a dança que voa na noite...

aqui transpira e brota o belo!

um abraço

lena

Graça Pires disse...

Lena, o seu pai fez um belo trabalho, ao ensinar-lhe a amar a poesia e os poetas. Ao lado dos nossos melhores, sinto-me pequena, mas bebo deles tudo o que sou capaz sem a "angústia da influência", isto é: deixo-me influenciar por toda a boa leitura. Obrigada por mais esta sua visita e pelas palavras sensíveis e belas. A sua cabana tem (no pouco que já vi) excelente poesia.Um beijo

Poesia Portuguesa disse...

É sempre um prazer visitá-la.
Um abraço e boa semana, de preferência com a sua excelente poesia.
;)

Marisa Martins disse...

Vamos divulgar e apoiar o cinema Português.

Vejam o projecto cinematográfico "La Lys" e participem no Casting.

Visitem:

www.lalys-ofilme.blogspot.com

Obrigado

Teresa Durães disse...

fico sempre a pensar se no fim a mulher está condenada à solidão (penso que nem os poetas homens se condenam deste modo)

- Devo estar muito má para comentar :)

malditas segundas :(

Graça Pires disse...

Obrigada Menina pela visita e por tudo. Um beijo.

Teresa, as segundas-feiras às vezes são ruins, mas hoje o dia está lindíssimo e não vamos pensar na solidão. Na nossa e na dos outros... Oa teus comentários são sempre pretinentes. Um beijo.

A.S. disse...

Trazia o vento batendo-lhe no rosto
o aroma dos campos nos lábios,
A liquida luz contornava o seu perfil...
Talvez a levasse para onde a seara acaba
e a transparência se turva
ilimitadamente!



Um beijo!

Anónimo disse...

Tentei deixar vários comentários, mas o sistema está contra mim. Cheguei aquii através dos Gatos Nocturnos e ainda bem que cheguei, pois deparo-me com um belo poema forte e telúrico, estupendamente acompanhado por uma fotografia de Alvarez. Um prazer.
L.
(Laura)

Graça Pires disse...

A.S,"Talvez a luz a levasse para onde a seara acaba...", Talvez. Mas como o saberemos se "a transparência se turva ilimitadamente"? Obrigada e um beijo.

Obrigada Laura. Ainda bem que cá chegou e que gostou. Volte sempre. Um beijo.

Anónimo disse...

Como disse a Laura, é um poema telúrico, que evoca ritos muito antigos, como se Pã vivesse algures, talves no som do vento, e fosse esse corpo feminino "coroado de silvas" ao tempo das ciolheitas. Gosto muito quando escreve assim, Graça, e quando lhe *escuto* as imagens.
Um beijo, uma boa noite.

Anónimo disse...

Valham-me os deuses. As gralhas propagam-se exponencialmente. Deixei umas quantas no comentário que fiz antes.

Soledade

Graça Pires disse...

Olá Soledade, também gosto quando você gosta. Estes poemas que diz gostar, pertencem a um livro que escrevi quando arranjámos uma casita no campo e, com isso vieram emoçoes novas: outras gentes, outras realidades, outras paisagens. Chama-se "Quando as estevas entraram no poema". Obrigada pela sua sensível opinião. Um beijo.

Anónimo disse...

A casa no campo. Entendo. A leitura é um mecanismo curioso - mesmo sem dar por isso, é a nós que procuramos no poema alheio. Há estevas, uma casa no campo (e uma canção de Elis Regina) dentro do poema. Eu é que tenho que lhe agradecer pelo que me deu a ver.

Graça Pires disse...

Soledade, ouve a Elis Regina no poema?... "Eu quero uma casa no campo... onde eu possa levar meus amigos meus discos meus livros e nada mais". A poesia é isto uma prodigiosa teia de desejos comuns. Um beijo.

Alexandre Bonafim disse...

Graça, já conhecia esse texto. Creio que já li todos os seus poemas e a sensação que eu tenho é que eu terei de lê-los no eterno (para lembrar uma palavra cara ao nosso amado Vergílio Ferreira). E a foto??? Tão linda!!! Seu marido, mais uma vez, soube escolher o tom certo para nota musical exata. Olha, mando-lhe de volta o exemplar de o Reino da lua. Você é a verdadeira rainha desse reino. Rs. bj.

Anónimo disse...

Sim, é essa canção da Elis que escuto no poema, Graça :)
Soledade