Em contraluz, a velha nespereira
tem um perfil de vigília.
Quem dela se aproxima pode ver os múltiplos
ângulos do dia explodindo na ramagem
dando à terra um rosto iluminado.
Ao fundo da noite haverá sempre um luar
marginal com que ilustrarei o poema.
Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005
Seleccionar o ângulo de um rosto, sem lhe macular a luz, como se, a meia voz, pudéssemos reter os múltiplos reflexos do júbilo e das mágoas.
27.10.10
A velha nespereira
21.10.10
Habito a deriva dos labirintos
Paul Strand
Habito a deriva dos labirintos,
com vontade de ser cativa de uma presença,
de um nome, de um aceno.
Sou um peregrino.
Recorto nos pés o caminho da terra prometida,
embora um estranho afecto
prenda os meus passos a um rumo incendiado.
Sou Ícaro rasando, imprudente, um amor proibido.
As minhas asas se fundem no absurdo de sensações
que me levam a um qualquer tormento,
abismo do meu próprio imaginário.
Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997
Habito a deriva dos labirintos,
com vontade de ser cativa de uma presença,
de um nome, de um aceno.
Sou um peregrino.
Recorto nos pés o caminho da terra prometida,
embora um estranho afecto
prenda os meus passos a um rumo incendiado.
Sou Ícaro rasando, imprudente, um amor proibido.
As minhas asas se fundem no absurdo de sensações
que me levam a um qualquer tormento,
abismo do meu próprio imaginário.
Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997
14.10.10
Esperou pela mais baixa maré
Friedrich
Seguindo a linha sinuosa do horizonte,
ele estudou o lento esvoaçar dos pássaros
circunscrevendo o mar.
Esperou pela mais baixa maré
para adormecer sobre as rochas.
Agora, todas as manhãs,
é da sua boca que debandam as aves
litorais em direcção aos ventos do deserto.
Graça Pires
De O silêncio:lugar habitado, 2009
ele estudou o lento esvoaçar dos pássaros
circunscrevendo o mar.
Esperou pela mais baixa maré
para adormecer sobre as rochas.
Agora, todas as manhãs,
é da sua boca que debandam as aves
litorais em direcção aos ventos do deserto.
Graça Pires
De O silêncio:lugar habitado, 2009
6.10.10
O ofício das mãos
Vermeer
O ofício das mãos não se intimida
com a apressada cadência do tempo.
Não tem fim o silencioso enleio
que se esconde por entre a argila
nos dedos do oleiro; ou se enrola no linho
dos lençóis tecido pelas mães; ou se prolonga
no pão quando chega o mês do trigo.
Porque esse é o destino das mãos,
tão alheio à urgência de cada dia.
O ofício das mãos não se intimida
com a apressada cadência do tempo.
Não tem fim o silencioso enleio
que se esconde por entre a argila
nos dedos do oleiro; ou se enrola no linho
dos lençóis tecido pelas mães; ou se prolonga
no pão quando chega o mês do trigo.
Porque esse é o destino das mãos,
tão alheio à urgência de cada dia.
Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009
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