24.1.15

Em seara alheia



Chamei-te mar

No mais íntimo da pele
desgrenhei o vento
para te desassossegar os cabelos

escrevi na água
da chuva
para ver
como as palavras
se desmoronam

No mais íntimo da pele
lá estavas azul
tão azul tão azul
que te chamei mar

e já é tanto
                                          
Eufrázio Filipe
In: Presos a um sopro de vento. Macedo de Cavaleiros: Poética, 2014, p. 59

18.1.15

Deixaste que o rio te levasse


Falavas longamente de um rio, mãe.
Um rio com pedras tão brancas que cegavam.
Para o encontrares pisaste todos os vales,
doaste à paisagem a cor dos teus olhos:
tons de mel, tons de mágoa, tons de chuva.
E deixaste que o rio te levasse.
Depois disso, mãe, em todas as margens
se avistam aves muito brancas
que atravessam o olhar alarmado das mulheres.

Graça Pires, 2015

8.1.15

A inundar todas as mágoas

The Economist

Só em frente ao mar
posso inquirir e afirmar
ao mesmo tempo a lonjura
da enchente que começa
na cavidade do olhar
e se faz linguagem líquida
a inundar todas as mágoas.

Graça Pires
De Espaço livre com barcos, 2014

3.1.15

Em seara alheia




Geometria

Medir a terra
a régua e esquadro
e traçaria o limite
do justo e da
beleza.

Aos homens a privação
do agir livre, da decisão
de que são senhores.
Medir a terra
a régua e esquadro
é castrar a lonjura
do possível.

Quebrem-se as réguas
os esquadros e as linhas
que nos cercam.
Aos olhos de quem nos mede
a terra não tem medida.
                                          
Samuel Pimenta
In: Geo Metria. Lisboa: Livros de Ontem, 2014, p.83