29.8.13

Tão frágil a construção do silêncio!

Ana Pires


No verão todas as manhãs são belas,
dissemos um dia, antes de sabermos
como nos pode asfixiar o áspero sangue
das correntes esfarrapando a espessura do lodo.
Tão frágil a construção do silêncio!

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

22.8.13

Sensualidade

Julien Dupré

Quando o estremecimento da brisa 
trazia o cheiro dos arbustos molhados
e o chiar das carroças carregadas de feno, 
as mulheres percorriam os caminhos
bamboleando as ancas em fantasiada dança. 
Seus passos denunciavam 
no chão o gozo dos corpos. 
Suas bocas lascivas cediam e recusavam 
o pedaço da fruta que apetecia 
morder em outras bocas. 
Os homens passavam devagar 
com o cio dos bichos a suar-lhes no sexo.

Graça Pires
De Caderno de significados, 2013

15.8.13

Silêncio


andrey vahrushew


Talvez um golpe mudo 
construa a cegueira dos açudes 
talhados pelo vento 
no rastilho das noites, 
ou na corrente de um rio insubmisso. 
Talvez o silêncio seja a voz 
que sufoca o medo quando as aves 
começam a calar-se em nossas bocas.

Graça Pires
De Caderno de significados, 2013

8.8.13

Um brilho quase fatigado



Anda uma claridade esquiva 
a rondar-nos a casa. 
De encontro às vidraças,
um brilho quase fatigado 
vai abrindo a noite 
à transparência do olhar.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011