Não usam máscara.
Têm a cara marcada
pelo fogo-preso
do corpo prestes a
incendiar o chão
onde rastejam, se
desmoronam e se rasgam
até ao abraço mais
feroz de quem os cerca.
Não usam sapatilhas.
Têm, nos pés
descalços, o ritmo
inocente e perverso
dos movimentos
que a dança lhes
consente
e os torna possessos
de volúpia.
Não usam cenário.
Têm a envolver-lhes a
cintura, o reflexo
das sombras que os
desliga do palco
com a intimidade de
um impulso,
mesmo quando fincam
as unhas
na madeira à procura
de equilíbrio.
Querem a música. Sim,
a música.
Uma sonoridade que
lhes perturba o gesto e a leveza.
Que os desnuda.
Que arrasta o rio que
lhes rebenta no olhar.
Graça Pires
In: CNB e os poetas, 2014, p. 3
Poema feito na sequência de ter assistido ao bailado "Orpheu e Eurídice", a convite da direcção da CNB, através de João Costa. Bem hajam pelo convite.