25.6.15

Regresso























Sem mais nem menos
surgiu o passado,
corpo intranquilo
feito de sons semelhantes
aos rostos que amei,
universo donde me excluí,
mar desprovido de cais
na obliquidade dos contrastes.

Esta noite voltei à minha infância:
menina rosada de sonhos nos bolsos,
bailarina de corda na caixinha de som.

À infância regressa-se solitariamente,
subindo um rio sem margens,
até ao lugar em que a nascente
se confunde com o tempo
e o tempo se transforma em espanto.

Procuro, teimosamente,
o rasto da brisa
que me invade o corpo
e apenas sei que o sonho
é um risco inquietante,
quando a solidão tem rosto
e se conhece a posição das estrelas
no âmago das palavras.

Graça Pires
De Poemas, 1990

15.6.15

Brinca à beira-mar

                                                           
                    
                                                      Para o meu filho Pedro

Recua no tempo.
Ajusta a areia aos teus dedos de criança.
Brinca à beira-mar, o teu espaço mais cúmplice.
Já sobre ti rolam as algas e tu, de olhos
fechados, reténs esse prazer apetecido.
As conchas vêm brincar contigo.
Falam do sussurro dos peixes escondidos
nas ervas marinhas, da ancoragem dos barcos
e da lisura das quilhas submersas.
Um bando de pássaros abre-te no peito
um estuário onde as marés se abraçam.

Graça Pires
De Espaço livre com barcos, 2014

7.6.15

Em seara alheia



XV


Este silêncio que à noite se infiltra como presença 
há muito esperada. Este silêncio que a brisa 
aconchega e pelos claustros sobrevoa o negrume 
da vida. É um bater de asas nas copas das árvores, 
uma doçura a escorrer pelas cornijas 
tão pelo tempo esbeiçadas 
e é também o reflexo da minha sede. 
Uma sede sem limites nem fim e onde uma ânsia 
de Amor me antecipa visões e êxtases. 
Este é o silêncio que sempre quis, 
aquele que à noite atravessa 
corredores e celas desenhando nas lajes 
as minhas Moradas - caminhos que nunca cedo, 
como se num antiquíssimo sonho uma nítida mão 
a mim me salvasse.
                                          
Victor Oliveira Mateus
In: Negro Marfim. Fafe: Labirinto, 2014, p. 29