31.12.12

Cantaremos um salmo pela terra



Temos um quebranto no friso do olhar
e demoramo-nos no canteiro dos amores-perfeitos
para que as mãos cobertas de melindre
sintam a pulsação das árvores em prece.
Em redor da cintura enrolaremos
os sonhos do mundo
e cantaremos um salmo pela terra, tão inquieta
pela aflição dos ventos da montanha.
Uma harpa de chuva evocará as pétalas perfeitas
na ponta dos dedos.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

Um ano de 2013 cheio de Esperança!

26.12.12

Havia algo de sedução



Temos incrustado na língua o sabor das filhós
de abóbora que nos tornavam aguados
quando todo o conforto do natal
começava e terminava em mãos maternas.
Nenhum aceno lateja agora
nos pomares da infância onde os pêssegos
e os damascos nos saciavam a gula
e as laranjas nos enchiam o regaço.
O colorido dos diospireiros gotejava
o orvalho sobre a folhagem.
Havia algo de sedução no desnível do canteiro
das gerbérias mais próximas da claridade.
Ao longe as frésias envaidecidas
derramavam aromas sobre as tardes
estranhamente longas.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011

17.12.12

Nenhum sonho se repete



Nenhum sonho se repete.
Nenhum deus nasce outra vez
na nossa crença,
nem nenhum céu nos promete
a estrela da manhã
para marcar, à nascença,
um amor profundo.
Já nenhum Deus se compromete a vir ao mundo.

Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997


Um Natal de Amor e um ano de 2013 o melhor possível 

9.12.12

Espero cada solstício de inverno




Embarco com o nevoeiro das manhãs
preso nos cabelos.
Invento o mar.
Assisto à tempestade.
Cubro-me com um colete salva-vidas
para proteger os barcos
quando a ondulação desespera as quilhas
cobertas de sal e o vento se enrola
na mastreação desafiando as gaivotas.
Espero cada solstício de inverno
para ouvir a melodia do sol poente
e seguir os druidas em Stonehenge
nos rituais de adoração solar
e vislumbrar, através das pedras em círculo,
uma pequena laranja incendiada
convocando a pureza das sombras.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011        

1.12.12

Em momentos propícios ao silêncio das águas




Torna-se nítida a textura das conchas
esboçadas em areias onde a lua se despenha
quando o momento é propício ao silêncio das águas.
Um denso azul cresce em espuma
sobre os lábios inacessíveis à passagem
dos mastros assombrados.
Procuro o teu corpo.
Um percurso de répteis contaminou-me o ventre.
Para resistir à morte rastejo pela noite
em busca das sombras que se transfiguram em aves.
Procuro o teu abraço.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011