Seleccionar o ângulo de um rosto, sem lhe macular a luz, como se, a meia voz, pudéssemos reter os múltiplos reflexos do júbilo e das mágoas.
28.3.16
Em seara alheia
Evita sonhar, procura não saber
Dos sorrisos que se acendem
Ao longo da rua. Remete-te
À desordem moderada do teu
Coração silencioso, à ausência
De expressão, mesmo nos momentos
De sobressalto. Fecha, devagar
Muito devagar, as mãos e chora
De modo a que ninguém veja.
Há alegria a mais no mundo, há
Demasiado tempo perdido a roubar
A propriedade dos tristes.
Rui Almeida
In: A solidão como um sentido seguido de Desespero. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim, 2016, p. 22
21.3.16
É Primavera
Amanda Cass
Começou
o ritmo da folhagem
ao
sabor da seiva.
As
árvores escolhem o tom de verde
que
o sol prefere dispersar nos troncos.
É
primavera.
As
aves regressam em bandos
e
os amantes ajustam a paixão
nas
grutas do corpo.
As
crianças trazem no olhar
uma
cintilação quase divina
e
os descrentes procuram um deus
no
claustro da morte.
Os
poetas ofertam-nos as primícias
com
os frutos a gretarem-lhes a boca.
Graça Pires
De Uma claridade que cega, 2015
14.3.16
Guerra
Para se abrigarem dos ventos contrários
o
abraço dos amigos lhes bastava.
Mas a guerra cercou-os
e deixou-lhes no
movimento do olhar
uma pátria ultrajada.
Em suas bocas pisadas de silêncio
sangram agora todos os afectos.
Graça Pires
De Caderno de significados, 2013
3.3.16
Convite - Figueira da Foz: Volto à memória do mar
Muito obrigada a todos os que partilharam comigo mais esta festa da poesia.
Gostava de contar com a presença de todas as minhas amigas e de todos os meus amigos que moram por perto da Figueira da Foz - a terra onde nasci.
Gostava de contar com a presença de todas as minhas amigas e de todos os meus amigos que moram por perto da Figueira da Foz - a terra onde nasci.
Volto à memória do mar,
ao fundo salgado do abismo,
ao sepulcro das cinzas,
ao meu chão de múltiplas névoas.
Muito longe serei ilha, ou rochedo,
ou pérola na fenda da concha.
Uma litania, um cântico,
um grito ao vento serei ainda.
Amarrando os barcos.
Graça Pires
De Uma claridade que cega, 2015
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