Josef Koudelka
Do lado distante das noites, a lua acesa
sobre os muros ilumina o rosto daqueles
que sempre entenderam o trajecto
escolhido pelos pássaros e pelos rios
e pelos amigos que nunca voltaram.
Os dias foram cerzindo em seu olhar
o caminho esquecido das mais antigas dores,
onde guardam agora o destino de suas mãos
declinadas sobre as estacas.
Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012
Seguro um marcador
lilás para desenhar um barco
que agarre a
alvorada em seu instante breve.
Como ajustar
aos dedos o rumo da proa
quando as mãos
precárias
se entregam ao
fascínio das vagas?
Há muito que
partiram os caminhantes
em busca
de locais desconhecidos
deixando para
trás a memória da cal sobre as casas.
Há muito que
regressaram os barcos incertos
e os homens:
aqueles que abrigavam no olhar
o lugar onde
nasceram.
Agora todas as noites podemos ouvir
a respiração dos navios
que costeiam as casas
recém-pintadas
como se um regozijo lhes roçasse os
mastros.
Graça Pires
De A incidência da luz, 2011
Seguimos pela noite indiferentes
a todos os ruídos que rebentam
o rigor do silêncio.
Temos nos punhos a navalha afiada
do tempo rasgando diante de nós
o túnel da eternidade.
Vamos até onde nos leve a sedução da fuga.
Queremos avistar o destino das aves
que trazem a luz das auroras riscada em suas penas.
Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012