Afagas a mesa com tuas mãos de terra, mãos
nodosas habituadas à delicada tarefa das raízes.
Abres uma toalha branca. Uma toalha de linho
que deixa no terraço um odor a lavanda e estudas
o silêncio pelo intervalo das gárgulas, enquanto as
mulheres, exaustas, dispõem os copos, as fatias de
broa, os jarros com sangria. Afagas a mesa para o
rito primordial, pedaço de um sagrado que se abre
rito primordial, pedaço de um sagrado que se abre
pelo terraço, pelos animais, pelos corpos sempre
divididos entre a violência do trabalho e a ascendente
pureza do desejo. Afagas a mesa para essa cerimónia
sem castigo nem pecado, sentas-te depois expetante
com uma terrível ausência a teu lado.
Victor Oliveira Mateus
In: Aquilo que não tem nome. Posfácio de Ana Paula Dias. Lisboa: Coisas de Ler, 2018, p. 12