Partida
Quando parti ninguém apareceu à beira da pista.
Quando parti as viagens eram coisa simples e banal,
e não este desejo de procurar um sentido para
a mágoa, uma clareira para a ausência, uma fonte
- minúscula que fosse – para saciar aquilo que
se mantém ininterrupta sede. Quando parti estavam
todos atarefados a viajar, mas de outro modo –
voracidade de prestamistas, esbugalhados olhos
onde o tempo é tão transacionável, quanto um futuro
hipotecado ou uma mera jante enferrujada. Quando
parti tiveram logo o cuidado de me avisar que a poesia
nunca salvara ninguém, que a procura das raízes
(bem como o entendimento de um passado não
acontecido) era coisa tão ridícula quanto obsoleta
para o riso alvar de muitos. Quando parti a buganvília
da moradia em frente estava esplendorosa e havia
um gato a furar a rede. Quando parti uma mulher
no prédio ao lado sacudia um pequeno tapete.
Acenou-me. Sorri. Quando parti imaginei
o escárnio deles, os telefonemas duns para os outros,
as conversas. Quando parti ninguém apareceu
para se despedir, havia apenas: eu, um objectivo
incerto, o teu rosto a reflectir-se ao longe
e o sol a dar de chapa nas vidraças.
Victor Oliveira Mateus
In: Regresso. Fafe: Labirinto, 2010