25.7.22

A graciosidade da juventude

Ana Pires Livramento


Uma vacilante clareza assume 
o exacto perfil da idade na passagem dos dias. 
Há resíduos enigmáticos na vertente 
dos sonhos esquivos 
quando uma saia a esvoaçar 
se pode transfigurar em linguagem sensual 
e a presilha de um sapato 
tem a graciosidade da juventude. 

Graça Pires 
De Antígona passou por aqui, 2021, p.16

Se desejarem ouvir-me no poema, ver o vídeo da Ana, escutar a música do Pedro podem fazê-lo aqui:

                                 https://youtu.be/iNh3PVoU8Fc                                           
                        


Minhas Amigas e meus Amigos, vou fazer uma pausa. Voltarei a 22 de Agosto. Desejo que passem uns dias tranquilos, com saúde, paz e conforto.

Beijinhos.

18.7.22

Em seara alheia



18. 

Um homem dorme nas arestas do frio, 
os ossos apoiados na lembrança 
de um verão abrasador. 
Eis o sono do homem 
que percorreu os mares e regressou. 
Nos olhos o esplendor da verdura das ilhas. 
As mão em leque na explicação das aves. 
Parava em Maio a ouvir o eco 
dos trovões pelas esferas. 
Sentou-se amarrotado 
nos degraus cor de cinza da pobreza. 
Era quando cantava 
com a voz doente do remorso. 
Cansou-se da viagem 
e abandonou o mar 
e demandou o porto. 
Chorou ao tactear o gume da cidade. 
Ensurdeceu, que a música era grito. 
Guardou no bolso a aspereza do dia. 
Adormeceu obedecendo à noite. 
Sonhou que era um navio e navegava. 
Sem avistar a costa, navegava. 

Licínia Quitério 
In: A decadência das falésias. Lisboa: Poética, 2022, p. 26

11.7.22

Memórias de Isadora XIX



O meu tempo vivi. 
Tive amigos. 
Eram actores, músicos, 
bailarinos, boémios. 
Escreviam o meu nome 
nos jornais e em cartazes. 

Em berlim chamavam-me deusa. 
Na grécia quis ser ninfa, calipso, 
nausícaa, ou mesmo ulisses. 
No egipto deixei que o deserto 
e o vale dos mortos me fascinassem. 

Por todos os lugares conheci 
o esmorecimento ou a ânsia da perfeição. 

Como contar aqui todos os tropeços, 
todos os despojos, todas as solidões? 

Teimei incansavelmente na mais cúmplice 
presença do silêncio. 

Graça Pires 
De Jogo sensual no chão do peito, 2020, p. 42

4.7.22

Esboço a demora do amor

Magdalena Russocka

Em contrição febril, penitente, 
esboço a demora do amor e concebo 
um gozo preso nas frestas das portas, 
tão próximo dos meus contornos de fêmea. 
Agora não quero profanar a tábua de salvação 
que me transformou a vida com argumentos 
enlaçados no sangue do meu sangue. 
Foi quase possível acreditar no amor 
sem contradição alguma. 
Um desígnio iluminado renegou em mim 
o achamento da treva, o desalinho do pensamento. 

Graça Pires 
De Antígona passou por aqui, 2021, p. 24