25.7.16

Procuro a voz da inocência

Henri Matisse

No insondável lugar das encruzilhadas
traço os sons, acolho as formas,
corrijo a dicção.
Evito que as letras ignorem o lume
perturbante onde podem arder os sonhos.
Procuro a voz diferida da inocência
para estilhaçar o verbo no centro do medo
e espalhar o meu nome pelas pedras
tão alheias a qualquer simbologia.

Graça Pires
De Uma claridade que cega, 2015

18.7.16

Eternidade

Norvz Austria

Em horas incertas há aves tão moribundas 
como o tempo breve que nos sufoca. 
São artifícios que os calendários 
não registam porque o eixo da terra 
é um lugar de eternidade 
que, sem aviso, atravessa a vida e a morte.

Graça Pires
De Caderno de significados, 2013

11.7.16

Um destino marítimo



Temos um destino marítimo
na memória, me ensinaram.
Por isso gosto de seguir a linha
verde da costa com a face exposta
ao hálito da maresia  e os pulsos
cravejados de conchas.
Fixo cristais de névoa no olhar
para desvendar o átrio privado
onde se escondem os barcos
quando o êxtase das ondas
explode dentro do vento.

Graça Pires
De Espaço livre com barcos, 2014

4.7.16

Queremos um anjo de pedra



Vem comigo, amor.
Vamos contornar
as margens azuis do adriático
e trepar as escarpas
até ao castelo de duíno.
Queremos um anjo de pedra
nos rituais do enlevo.
Eu procuro de novo
o princípio de tudo,
para que me digas na voz de rilke:
as minhas emoções, que acharam asas,
voam, brancas, à volta do teu rosto.

Graça Pires
De Uma claridade que cega, 2015