29.6.13

Um lugar para morrer




Naquele mês espalhara-se a insólita notícia
da vinda de andorinhas brancas
trazidas pelos ventos do deserto.
Todas as mulheres subiram às colinas
mais íngremes abandonando as casas,
dias a fio, com o corpo envolto em panos negros.
Tinham pressentido,
no lentíssimo movimento do voo, que cada ave
procurava apenas um lugar para morrer.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

14.6.13

Não falo da importância do brilho


Duane Michals


Nem sempre as janelas oferecem às casas
todas as possibilidades da luz.
Não falo da importância do brilho coado
nas traves, ou do vento espreitando as frestas.
Refiro a transparência consentida às aves
na pressa das cidades onde o voo se faz fuga.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol, 2012

8.6.13

A eternidade dos abismos

Menez


Possuímos uma nudez que sangra
no barro da encosta mais íngreme
por onde rastejamos a catástrofe da secura,
tão propícia à perturbação das mãos,
quando no coração do tempo nascer
a véspera de um lamento anunciando
a eternidade dos abismos.

A fadiga das mãos pode apressar
a morte dos afectos, me dirás.
Em redor de um barco
apenas os forasteiros desconhecem
quem se salva, hei-de responder-te.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011

1.6.13

Abandono


Johnny Herman

Para a Elisa Cristina

Marcados por todas as violências 
eles afiam as pontas dos dedos 
nos subúrbios da noite 
para que nenhum medo os surpreenda. 
Eles vagueiam por becos 
que cheiram a fogo e a sangue 
armados de raiva, 
privados de sonhos, 
cobertos de abandono. 
São meninos da rua, 
ou pássaros em fuga 
desafiando a própria solidão.

Graça Pires
De Caderno de Significados, 2013