24.4.17

Continuar ABRIL

Gonçalo Viana


Os barcos têm sede: falta mar.
Os lenços não respiram: falta vento.
Que outro (a) mar das marés do teu olhar
me tragam ao país a que pertenço.

Os vidros têm fome: faltam cravos
assomados à janela do futuro.
Da teia dos meus dedos farei barcos.

Serão velas as palavras que procuro.

Hugo Santos
In: Armas de (a) mar. Lisboa: Ulmeiro, 1988

17.4.17

Indiferente ao desígnio das sombras

Katia Chausheva 

São longos os dedos
que sulcam o rosto difuso das noites
em que o luar queima os crisântemos
sem deixar vestígios
e os felinos transformam o chão
num local imprevisível.
Indiferente ao desígnio das sombras,
a luz insinua-se no lado misterioso
onde me encovo.
A luz e o silêncio.
Com artifícios insondáveis
e uma leve vigília
de dádiva ou de bênção.

Graça Pires
De Uma claridade que cega, 2015

10.4.17

Em seara alheia


Hoje acordei com a dor das árvores;
estou de pé e o meu corpo sustém
o vazio e a solidão dos ramos
côncavos de espera,
impacientes de ternura.
Quero o bracejar dos pássaros,
ser refúgio dos ventos que me procuram,
tornar-me na folhagem que te abriga,
ser o ninho na tua noite, aberto
com a inquietação e a serenidade
do rumor das aves mais tardias.
Não, desta vez não vou...

Lília Tavares
In: Parto com os ventos. Ilustrações de Simone  Grecco. - Kreamus Edições, 2013, p. 15 

2.4.17

O lilás claro das hortênsias


O lilás claro das hortênsias,
galgando a periferia dos jardins,
espalha todos os aromas pela terra
enquanto as horas passam
e deixam nos cabelos outra tonalidade
e os passos perdem a pressa de outrora.
Adorno com aves sagradas
o altar onde se mitigam as crenças.
A cinza suspensa na vertigem das sombras!

Graça Pires
De Uma claridade que cega, 2015