29.6.20

Lugar de junho

Minhas Amigas e meus Amigos, faz hoje 30 anos que foi editado o meu primeiro livro 
"Poemas", ao qual pertence este "Lugar de Junho".

António Cruz

 

É melhor não dormirmos
sob o árido labirinto da tristeza.
À nossa frente existe um pórtico
purificado por uma névoa de sons.
Vamos transgredir o limiar do absurdo,
porque encontrámos um abrigo musical,
onde ninguém pode separar das nossas bocas
o percurso das águas outonais.
É verde o germe do sol nos nossos olhos
e, sem querer, a sombra de um pretexto
emerge do assombro de nós próprios
como um regresso plural da inocência.
Estamos num lugar de Junho
e qualquer sinal de ausência
pode ser apenas um veleiro
que partiu dos nossos dedos.


Graça Pires
De Poemas, 1990, p. 53

Se quiserem ouvir o poema podem fazê-lo aqui:

https://youtu.be/50PkaANZstw
                                                


22.6.20

Jovem ruiva com vestido de noite

Amedeo Modigliani


Um incêndio atraiu
os meus cabelos em desalinho.
Emaranhou-os em estrelas luzentes,
porque vou ao teu encontro.

“O verão começa nos teus braços nus”, 
me dirás, na margem mais proibida da noite.

Ai, o rubor do rosto a desvendar
a secreta inocência dos devaneios!
Ai, o lento bailado nas sombras
da madrugada!
Ai, o mel e o néctar na seda de meus seios!

 “O verão começa nos teus braços nus”,
repetirás pela manhã.

Graça Pires
De Fui quase todas as mulheres de Modigliani, 2017, p. 31

15.6.20

Para o meu filho Pedro

Elaborado pelo meu irmão José Pires

8.6.20

Doía-lhe na voz

Daniela Owergoor


Doía-lhe na voz
a crueza das palavras
como se fosse um poeta
sôfrego de silêncio.
Com olhos alagados de tristeza
perdia-se no espaço
mais íngreme das vagas
quando a sombra dos barcos
acostava no seu corpo
até se transformar em tempestade.
Num rodeio de vento sobre as dunas
achou o seu exílio.
As gaivotas começaram a amar-lhe
a fragilidade das mãos.

Graça Pires
De A solidão é como o vento, 2020, p. 7 

Se alguém quiser ouvir o poema pode fazê-lo aqui
https://www.youtube.com/watch?v=4umDyqwFCYw

1.6.20

Menina de azul

Amedeo Modigliani


Em todos os relógios
da cidade, os ponteiros
marcam a hora
inesperada da inocência.
Tudo parece perfeito,
Excepto o meu rosto
de menina, asfixiado
na moldura do tempo.

Graça Pires
De Fui quase todas as mulheres de Modigliani, 2017, p. 13